quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Se a árvore não cai

Depois de quarenta minutos, me senti satisfeito e fui embora, com passos longo e lentos.


Uma senhora correu atrás de mim, intrigada. Sem fôlego, disse:
- Mas moço, tu não tá esperando o ônibus?

Sorri constrangido, como se tivesse sido descoberto em meu fetiche. Fingindo seriedade, tentei explicar:
- Não, na verdade eu quase nunca espero o ônibus...

careta

Tudo começou com a constatação de que o melhor amigo dele tinha uma tatuagem de código de barras no pulso esquerdo.

Que tipo de pai ele seria para os meus filhos? Certamente não o tipo que perde uma noite de sono tentando explicar equações de segundo grau, lições de ecologia ou as regras da vírgula. Seria ele um pretendente respeitoso, um namorado fiel e marido carinhoso? Difícil dizer.

Ele até tinha um sorriso convidativo, um jeito divertido e bastante leve de conversar sobre as coisas, mas... Não sei. Não sei se era a imagem do meu pai decepcionado, ou da minha ginecologista preocupada - algo me afastava. Talvez o desodorante exagerado.

E se ele me convidasse para ir ao apartamento dele? E se eu aceitasse, e acontecesse algo - como seria? Ele me traria café da manhã? Ele se resignaria com o fato de que eu só como peito de peru defumado, grãos e leite desnatado? Ele chamaria um táxi? Ele pagaria?

Mas tudo se tornou muito mais hipotético e menos importante quando eu vi que ele mesmo tinha uma tatuagem de estrela no cotovelo.
- Não, esse eu não vi.
- Mas é o melhor dele!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

se uma árvore cai

Passa um, passam dois
Três e muitos ônibus
E aquele menino
Com o olhar fixo
Não parece esperar
Linha certa ou
Carro vazio.

Deixo-me estar
Pela companhia
De sua paciente espera,
E começo a pensar
Que só quem ali fica
Tanto quanto ele
Sabe o quanto esperou.

Passam todos os ônibus
De todas as linhas
De todos prefixos, todas cores, biarticulados, lotados, ares-condicionados.
E o garoto firme.
Ônibus de outras cidades,
Lotações
- até uma ambulância.

Será que espera alguém?
Uma oportunidade?
Um sinal?
Eu?
Como que me respondendo
O menino faz sinal
A um que vai pro Centro
(como todos os anteriores)

Continuo sem resposta
Pra pergunta
Que só eu perguntei.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A Rita. outra.

Você foi embora
E levou minha caneca preferida
Com meu chá morno adocicado.

Você foi embora
E levou a chave da porta
- a minha chave da minha porta.

Levou meus livros
Mas tenho um ou dois que são seus

Fiquei com a janela aberta
Mas a cortina florida ficou pra você.

Você levou tanta coisa
E tanta coisa ficou
Que eu nem sei o que é seu
O que é meu
Quem sou eu.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Figueira

Casei-me há dois anos, dois meses e dois dias. Com uma Árvore na frente de casa.
Certamente, o primeiro casamento realizado à sombra da noiva.

Os poucos convidados espalharam-se pelo perímetro coberto pelos ramos da Figueira:
Meu Vira-Lata, de fraque; duas Galinhas (que tiveram a atenção chamada, pela algazarra); os três filhotes de Gato que eu achara duas semanas antes, num cesto; uma Joaninha - que alguns afirmam ter ido embora junto com um Besouro muito colorido; meu irmão, ainda dentro das fraldas.

O cheiro de mato queimado pelo sol ainda restava no ar, quando nos prometemos amor eterno, na saúde e na peste, na colheita e na seca. E quando o Gambá, fazendo vezes de padre, perguntou se alguém ali presente tinha a dizer algo que impedisse aquele casamento, foi que minha mãe chamou de dentro da casa para o almoço.

Casei-me há dois anos, dois meses e dois dias. Com uma Árvore na frente de casa.
Com tudo que tem fora de casa.
Comigo.

quinta-feira, 7 de junho de 2012


Simetria confusa.
Simetria com ferida - aberta
Conferida pela minha preferida
E rompida pela intrusa
                     Posferida
                            Você.