quinta-feira, 30 de junho de 2011

função sapato lugar calçada

Eu vinha de ônibus. Encolhido de frio, passei a manga do casaco na janela para enxergar lá fora. Foi quando olhei pra dentro.
Olhei pro meu assento. Lugar de sentar. Que horror!
O ônibus parou. Na parada do ônibus, desci.
Olhei para a avenida. De indas e vindas. Desespero.
Em um só olhar, mirei.
Pessoas, coisas, lugares!

Lugares. Funções para lugares.
Não havia lugares sem função e nem funções sem lugar determinado.

O café na xícara. O pires na mesa. O homem na cadeira. A cafeteria do bairro chique.

Sem conseguir me identificar com esse mundo, corri para a calçada.
Uma manada de sapatos, todos bem calçados, passava veloz.
Aquele dia, caminhei descalço pela calçada.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

virei item sem preço

Eu era anel.
Passava de dedo em dedo,
Até que me prendi no teu.
- deixei de ser adereço.

que cinza

O que você guardou de mim,
Depois de fechar a mala, bater a porta e acenar da janela do táxi?

O que você levou de mim,
Depois de dar adeus, abraçar, dar adeus de novo e ir embora, sem parar de olhar pra trás?

O que você deixou pra mim,
Depois de me ver, me olhar, me conhecer, me provar e me aprovar - pra depois se despedir?

O que eu sou/eu fui? Nós somos/nós fomos?
Se somos, como ainda somos? E se fomos, por que não mais somos?!

E afinal, quem é essa pessoa
aqui do meu lado, vestida com minhas roupas, que resiste a ir embora? - apesar de já ter ido...

mantra

Inverno, verão.
Invernos virão.
Eu vou.

domingo, 19 de junho de 2011

dizia

Sobre as pegadas, dizia que eram passado marcado na areia de sua praia.
Sobre as idéias, que não se podia tocá-las, mas que se podia sonhá-las - e que já era o bastante.
Sobre as pessoas, que eram quase todas invisíveis.
Sobre mim... dizia que eu era igual a ela.

sábado, 11 de junho de 2011

aqui

Olho nos teus olhos. E tu olhas para mim. Movo-me um pouco para a esquerda. Teu rosto permanece imóvel, mas teus olhos ainda olham para mim.
Passo a ponta dos dedos na tua boca. Para meus dedos, são teus lábios que os acariciam. Minha mão, suavemente, recai sobre teu rosto. Navega, como um barco em um mar tranquilo. A boca, os dentes, o nariz, a testa, os olhos, os cílios... Enxergo, com a ponta dos dedos, cada detalhe do teu rosto.
Uma lágrima cai dos meu olhos. Em cima da tua foto.

domingo, 5 de junho de 2011

mordida de tigre

Voltei com uma mordida.
Morderam-me.

Minha pele chora gotículas de sangue, como quem chora de tristeza. E quem choraria de tristeza?

Curativos, esparadrapos, sprays, bandagens e beijinhos de 'vai-ficar-bom'.

A pele cicatriza - tão rápido, que já estou com saudade da minha mordida.

(e se um dia a cicatriz sumir,
vem me morder de novo)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Livres

Livre pra lembrar,
Se não quiser esquecer.
Livre pra andar,
Mas querer permanecer.
Livre pra acabar,
Mas insistir em insistir.

Livres.

ecoar

Um cheiro frio no ar - o ar
E seu vento seco cortante... - antes
Da lua luar - uar

No banco da praça - passa
Ela.
E eu a admirar - mirar.

Sem nada fazer - azer
Azar.
Não fiz.