sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

o vazio

Escrever sobre o vazio.
Sobre o "eu não sei como fiquei tão triste".
Sobre o "o que vai acontecer?".
Sobre o "como isso pode mexer tanto comigo?".

Discursar sobre a tristeza, discorrer sobre a melancolia, descrever a solidão.

Escrever sobre o vazio.
Eu nem tento fazer isso.

Eu gosto de falar do eco. Do que resta, do que sobrevive, do que brilha-no-fim-do-túnel.
Aguço os ouvidos para os menores sinais de vida - e brinco de ser otimista.

Mas hoje até isso parece difícil.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

um gato na frente de casa

Eu não sei se te contei,
Mas hoje quando chegava em casa,
Vi um gato na frente do portão.

(Não chegava a ser noite,
Mas o dia já ia se entregando,
E a luz amarela dos postes
Se oferecia ao basalto da calçada)

Me aproximei bem devagar,
Querendo fazer carinho
Querendo coçar-lhe a cabeça
Querendo admirar seu pelo.

Mas o gato se assustou;
Correu de medo,
Sem sequer me perguntar
Quais eram minhas intenções.

Lembrei-me de ti.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

colher de chá

Ela é um serzinho engraçado.
Com suas roupas coloridas e seu andar aligeirado, caminha ágil por aí, como que farejando pelo ar o cheiro de novos gostos ásperos, o barulho de cores estridentes.

Caminha pela vida e pelas diferentes cidades como uma criança em dia de feira na rua, deliciando-se com os aromas das frutas frescas. A cabeça em pé, o queixo apontando para o alto, move-se com rapidez. Olha em volta, pergunta, prova, aprende. E sempre com sua colher a postos, pronta para degustar os sabores do mundo.

Sua colher lustrosa, de prata, é pequena, para que não se sacie apenas na primeira prova. Roubou-a de uma mesa de chá. Embora não conte para quase ninguém, ela me contou essa história.

Antes de tudo o que aconteceu, ela era outra pessoa. Estudava na escola, dormia em casa, fofocava com colegas, comprava meias quentes a cada inverno, meias finas a cada verão. Tomava chá com suas amigas, dançava balé, escovava o cabelo todos os dias. ... Eu sei, não parece que estou realmente falando dela. Mas é tudo conforme ela me contou.

Em um desses encontros para tomar chá, estava com suas colegas de balé, em um bairro requintado da cidade. A sala do chá era um ambiente arejado, com uma enorme janela que dava para a rua em frente. Sentaram-se em volta de duas mesas, uma para o chá e outra para o bolo. Eram cerca de dez amigas, dispostas em duas rodinhas de conversas e gritinhos. Em um canto da sala, um velho armário pesado, de madeira - um dos orgulhos da dona da casa, mãe de uma das meninas.

Enquanto as amigas discutiam os envolvimentos afetuosos de outras colegas, ou a possibilidade da professora ter feito lipoaspiração, a menina observava a janela. Distraía-se com um garoto que passava do outro lado da rua. Era pobre, podia-se notar: usava calças largas, dobradas na barra, para que não arrastassem no chão; uma camiseta preta, mas notadamente clareado graças às diversas lavagens a que fora submetida; um pé de seus tênis estava rasgado do lado, abrindo um pouco a cada passo que ele dava. Não era exatamente bonito, mas a figura como um todo lhe agradava, talvez pela indisciplinada e descompromissada simplicidade que demonstrava e, de certa forma, oferecia.
O garoto ia caminhando pela calçada, e ela ia observando o garoto. Desejou que ele a olhasse também. E que, ao olhá-la, visse mais que uma menina rica, sofisticada, de roupas caras e hábitos finos... Mas será que ela era mais que isso? Esse pensamento cruzou sua mente com rapidez, sendo imediatamente repelido. Ora, claro, ela sabia que era muito mais que uma garota mimada. Era uma menina com crítica e autocrítica! Afinal era isso que ensinavam em sua escola...

O garoto sentou-se na calçada, exatamente na frente da casa. Ela não podia acreditar! O garoto sentara-se exatamente na frente da janela que ela espiava. Será que a tinha visto? Será que estava agora esperando por ela? A garota não sabia se ia para fora, se esperava um sinal mais claro, se contava para as amigas... Olhou para elas, e viu que ainda se detinham nos assuntos de sempre ("Eu comprei aquele tonalizante loiro-28, mas ainda não usei; nunca usei o cabelo tão claro, estou com medo de uma mudança dessas!"). Decidiu tentar participar da conversa com as amigas, mas perguntava-se ainda o que estava fazendo o garoto, o que esperava, o que queria, quem era. Sentou-se de costas para a janela, para tentar frear sua curiosidade.

Distraiu-se por alguns minutos, bebericando seu chá egípcio (cuja caixa era exibida com orgulho pela anfitriã, cujos pais haviam passado as férias nas pirâmides), conversando leviandades com suas amigas, até que...
- MEU DEUS, OLHEM AQUILO! - uma das meninas levantara-se e apontava para a janela.
A garota levantou e olhou. Seu garoto estava em pé, e outro garoto estava ali agora. Aquele que ela observara sorria tola mas francamente para o outro, ao qual estava abraçado, em pé. Davam-se beijos carinhosos a cada pouco, trocando algumas palavras de afeto. Sentaram-se os dois, na calçada, de costas para a janela, e encostaram-se um no outro, conversando tranquilamente de mãos dadas.
O segundo menino a chegar à cena trouxera uma sacola plástica. Dentro dela, uma embalagem de confeitaria. Abriram-na juntos e, dentro dela, uma vistosa fatia de torta, decorada com frutas vermelhas. Riram por um momento, percebendo que nenhum deles trouxera talheres. Começaram a comer com as mãos, então, entre novos risos e beijos.

As garotas dentro da sala entraram em êxtase. Gritavam, riam, xingavam. O vidro impedia que os garotos ouvissem o que elas diziam -mas a menina ouvia, e tudo aquilo feria ela. Tentou tomar um gole de chá, mas não sentiu gosto algum além de água suja; levantou-se e caminhou até a mesa do bolo, pegou um pedaço, mas ele também não tinha gosto algum - parecia feito de areia.
Nervosa, sentou-se novamente e colocou a cabeça entre as mãos. O mundo rodava, e tudo que ela podia ouvir eram as vozes esganiçadas de suas amigas, ridicularizando os garotos janela afora. Logo, não ouvia mais. Não sentia mais o cheiro dos perfumes importados usados pelas meninas ao redor. Não sentia a seda de sua roupa tocando sua pele. Tirou o rosto do meio das mãos, e o mundo havia se tornado preto-e-branco.
Horrorizada, gritou alto, estridente. Começou a chorar. Olhou ao seu redor. Nenhuma das meninas notava para ela. Desesperada, virou-se para a janela: os dois garotos olhavam por cima dos ombros, as bocas sujas de chocolate, procurando de onde viera o grito que ouviram.
Os olhos da menina brilharam por um momento. Pôs-se de pé, foi até a janela, parou em frente a ela. O primeiro garoto, contorcendo-se, abanou para ela. Ela respondeu o abano, e começou a sorrir. Um sorriso entre algumas lágrimas, como um arco-íris em uma tarde de chuva.
Ela então virou-se de costas para a janela; as amigas olhavam com dureza para ela, sem entender o que ela fazia. Sem dar explicações, foi até o armário, abriu a primeira gaveta, tirou três colheres de prata, de chá, e saiu porta afora. Deixou seu casaco, suas sapatilhas, sua bolsa.
As amigas ficaram em silêncio, estupefatas pelo inesperado da cena. Viram a menina sair e viram a menina surgir na janela, indo em direção aos dois garotos.
Ela caminhou até os dois, parou na frente deles, curvou-se, mantendo os joelhos retos, como aprendera no balé. Com um sorriso, mostrou as três colheres em sua mão. Os meninos sorriram e aceitaram cada um uma colher. Ela, com sua própria, tirou um pedaço da torta que eles comiam, enfiou-no na boca e saiu caminhando levemente pela rua. E quando começou a chover, ela dançou, se bem me lembro.

pedaços de retratos

E mesmo depois de todo esse tempo, ainda encontro pedaços de retratos que não fui quem quebrou.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

sobre dar voltas

Existe uma certa beleza na rotina; um prazer além do conforto - antes que me censurem.
Há algo de encantador em ver algo acontecer, ou em ser algo acontecendo!, e deixar-se acontecer diversas vezes.

Sou admitidamente contra o adormecimento, contra o automatismo, contra a reprodução cega.
O que quero é ver a mesma cena e enxergar algo novo e especial a cada olhar. Quero um dia, ao amanhecer, olhar-te nos olhos, no outro investigar-te os lábios, no outro conhecer teus ombros.

A criação está dos olhos para dentro, não está no corpo. Não está no quadro, na foto ou no poema.

...
Quanto a nós, nos deixo acontecer, como velas distintas de um mesmo barco, mesmo que o vento insista soprar-nos em círculos - al rededor de la mas bella isla.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

a mais verdadeira

Especialmente quando conto histórias que parecem mentira;
quando exagero sentimentos;
quando canto alto, quando te abraço repentinamente;
quando repito teu nome - quando sorrio ao repetir teu nome.

Eu sou a coisa mais verdadeira que você jamais vai conhecer.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A diferença

Eu sentada no vão da porta.
Os cabelos presos em um coque mal feito.
As unhas lascadas, o esmalte roído.
A camisola molhada, de lágrimas e das vezes que assoei meu nariz nela.
A maquiagem (suave, como você gosta) borrada.
Os olhos inchados de tanto chorar.

Olho para o relógio.
Você disse que já estaria nos meus braços há três horas.
Três horas, meu amor. Não estou exagerando. Você falou.

Imagino o que você está fazendo.
Se ri, se bebe, se flerta, se dança. E eu choro. E choro mais só de imaginar.

Eu sentada no vão da porta, espero você chegar. Odeio você. Odeio o que você faz comigo. Odeio o que me faz sentir.
Mas me odeio mais ainda por permitir.

Qual é, afinal, a diferença entre nós dois?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Atropelado de tênis novo, na esquina de casa

Atropelado de tênis novo, na esquina de casa.

Com seus fones de ouvindo disparando decibéis em sua cabeça, não ouviu o carro que fazia a curva; tampouco ouviu a inútil freada do mesmo carro; tampouco ouviu o baque seco de sua cabeça no asfalto. Não ouviu o grito do motorista, a revolta dos transeuntes, a sirene da ambulância ou o choro da família.
O fato é que a última coisa que pensou foi que desejava não ter comprado de couro.

manifesto prodrômico do mínimo aceitável

Saboreie aquele momento precioso em que você percebe que nunca poderá procurar do lado de lá.
Que quem-quer-que-seja-perfeito-para-você estará do lado de cá da cerca da loucura. Terá que ser insano; no mínimo, tão insano quanto você.

Para mim, terá não apenas que ter asas, mas tê-las soltas e arredias. Olhos abertos, orelhas em pé. Um sorriso que não se sabe se ameaçador ou simpático.
Eu amo cães de caça, aves de rapina e predadores extintos. E amo que me mordam. Amo também que saiam de casa e se demorem; que cheguem no outro dia, com um enorme osso entre os dentes e os olhos brilhando de orgulho.

Quero que me cantem canções desafinadas por opção. Quero quadros desalinhados com capricho; espelhos embaçados, cores conflitantes, aromas insuspeitos - maquiagem borrada antes mesmo de dormir. Quero um "boa noite" ao acordar e um "cale a boca" no silêncio. O paradoxo é o que faz todo o resto parecer normal. O patológico é o que cura o saudável, ou pelo menos o faz pensar-se curado.

Mas é na loucura que reside o inesperado. O criativo. O inexplicavelmente apaixonante.
É nas gotas homeopáticas de delírio e alucinação que reside a chave para um dia novo a cada novo dia. E que seja "bom dia" na hora de dormir! Se todo pensamento é interpretação, e toda interpretação foge aos sentidos, então proponho que pensamento é delirio, e que quanto mais longe deliro, mais longe penso. Nunca escondi, me pretendo um pensador. Delirante.

Minha dose minimamente aceitável de insanidade é aquela que em mim reside. Qualquer um abaixo disso, posso carimbá-lo como alguém que não sabe criar e que, justamente por isso, não sabe viver.

Eu sou precisamente o mínimo que exijo de você.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

transcender (2)

Eu sempre soube
Que eu era o trampolim
E tu eras a piscina.

Achei que eu fosse
Meio de transporte;
Achei que eu fosse
Até esporte olímpico
Mas eu era diversão.

A piscina sempre cheia,
De água e de amigos
E quando esvazia
(de um ou de outro),
Sempre enche de novo.

E assim tu, que nem pretendias,
Era o centro do meu mundo.
Era um motivo pra eu existir.

Mas trampolim sem piscina
Tem sentido limitado;
Não existe.
Resiste.

Piscina sem trampolim
Não é deixada de lado
Não deixa niguém triste.
Persiste.

domingo, 21 de agosto de 2011

escrever como fim

Às vezes você senta na minha frente e se põe a escrever freneticamente, com entusiasmo. Tece frases e capítulos com a habilidade de uma velha senhora a bordar. E o faz por prazer, toda noite, como que cumprindo, comigo, suas obrigações conjugais.

Mas hoje sentou tão calado... Puxou a cadeira com desânimo, olhou-me com os olhos vazios; sentou-se e começou a esmurrar minhas teclas, descarregando em minhas letras suas angústias.
Não distingue maiúsculas de minúsculas; não se importa com parágrafos. Usa vírgulas, travessões e exclamações como se nunca tivesse aprendido a diferença entre eles.
Sangra-me por minha tinta no teu papel. Sangra-te junto, pois são tuas próprias palavras.
Juntos, agonizamos noite afora, madrugada adentro; linhas preenchidas com frases débeis, idéias incompletas e pesadelos esquecidos.
O som das minhas teclas preenche o quarto, como uma fumaça espessa e esbranquiçada, dotada de ritmo único e espasmático. Não existe nada que não seja o ruído da escrita, e ele é gritado alto, e ele é sentido com força, e ele é o fim por si próprio. Você se esvai na minha frente. Suas idéias definham e morrem no exato momento que tocam o papel. É desespero, mas é alívio.

Não é por querer que você escreve. Escreve porque precisa. Porque não aguenta mais que escrevam em sua pele, que rabisquem suas linhas, suas falas. Você pensa que cansou de pensar entre aspas. As metáforas do lado de lá já não servem mais.
Você escreve caminhos novos e desesperados, iluminados por luz nenhuma, sem esperança de ser lido ou compreendido. Sem técnica. Sem poesia. Sem espírito e sem unidade. Só tinta minha em teu papel.
Noite afora, madrugada adentro.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

primeiro dia

Vi-a pela pela primeira vez em uma manhã quente de março. Era meu primeiro dia de aula na quinta série, no colégio em que estudei a vida inteira.
Ela usava meias altas, coloridas, que acompanhavam sua perna até acima do joelho, fazendo-a parecer um pouco tola - mas certamente menos baixinha. Devia ter seis anos.
Estava do outro lado da rua, olhando para o colégio como um bezerro que encara o matadouro. Em uma mão, uma lancheira cor-de-rosa; na outra, um vazio: não segurava mão alguma. Tive-lhe pena. Sabia como era a sensação. Claro, fazia já alguns anos que eu entrara no colégio, mas lembrava-me ainda do meu primeiro dia. O nervosismo, os olhares tensos, o suor frio nas mãos. A briga em casa para não ir. Meu pai... Sacudi-me para espantar as más memórias de meus primeiros dias.
Um colega meu aproximou-se de mim e começamos a conversar (sobre a professora de Geografia, que, dizia-se, seduzia e atacava os alunos que permaneciam na sala após o horário da aula; isso causava uma debandada geral logo que batia o final do período de Geografia). Em alguns minutos, o sinal tocou alto, sinalizando o começo de mais um ano. As crianças e os jovens começaram a entrar no prédio: os mais novos, empolgados, correndo; os mais velhos, arrastando-se, como que para a sala de tortura.
Olhei para o outro lado da rua e vi-a lá, ainda parada - agora petrificada, eu diria. Crianças passavam ligeiras por ela, esbarrando em seus ombros, atravessando a rua em direção à escola; ela permanecia parada. Despedi-me de meu colega, disse "já vou lá!" e atravessei a rua em direção à menina. Parei em sua frente. Ela, minúscula, batia antes do meu ombro. Sorri para ela. Ela me olhou assustada; parecia pedir clemência. Insisti no sorriso. Encostei-me ao seu lado, de frente para a escola, como ela. Tomei sua mão na minha; olhei novamente para ela, agora sem sorriso, mas com o olhar mais convidativo e a maior gentileza que pude inspirar na hora. A garotinha me olhou, ainda séria, porém mais decidida. Atravessamos juntos a rua. Ela estacou na frente dos portões da escola. Com uma sacudidela da cabeça (e de seus longos cabelos), olhou-me com pesar e perguntou:
- E se eu não gostar? E se meus colegas não forem legais? E se eu não entender o que a professora diz? E se eu achar que não é isso que eu quero fazer? E se eu quiser voltar pra casa?!
Prometi, em silêncio, que sempre a levaria pela mão, aonde quer que fosse.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Lagom

O tanto de comida que me sacie a fome.
O tanto de água que me tire a sede.
Companhia o bastante apenas para não me sentir solitário.
Roupa, apenas o bastante para que não sinta frio.
Uma casa tão grande quanto o necessário. Não maior. Talvez menor.

O tanto de trabalho que me mantenha meramente ocupado.
Dormir apenas o necessário para me deixar de pé por mais um dia.
Tantos livros quanto possa ler. Nenhum a menos.
Tantos livros quanto possa entender. Nenhum a mais.
O tanto de música que me encha os ouvidos.

Tanto tempo quanto me seja útil.
Tanto tempo quanto eu seja útil.

Tanto de mim quanto for possível.
Tanto de você que não me deixe mais ter saudade.

Lagom

Aviões à uma da manhã

Um ponto claro riscou o negro céu, cortou a noite.
Olhei para cima. Acompanhei seu movimento com a cabeça. Os olhos, já embaçados pelo tardar da hora, seguiram a trajetória da luz. Caía, mas não bem caía - persistia, apontando ao longe, buscando aterrisar em um aeroporto que não o meu.

Pois não passam aviões à uma da manhã.
Estrela cadente sem cadência. Passou por mim.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Venhe nãovém.

Ela diz que vem.
Abro as janelas. Tiro os copos e pratos da mesa. Bato o pó do sofá. Arrumo a cama. Varro o chão.
Cada centímetro cujo destino é ser habitado por ela tem que estar impecável.
Cada almofada afofada, cada quadro endireitado, cada roupa dobrada no armário...

E ela diz que não vem.
Fecho as janelas.

domingo, 17 de julho de 2011

sete horas

Eu tinha sono. E bebera demais, admito.
Deitado na cama; meus olhos insistindo em fechar. Permaneciam abertos por pura determinação.

Abracei forte meu bichinho de pelúcia. Quente, de pele tenra e macia. Ternura. Você.
...
Acordei semanas depois, amarrado no mesmo abraço. Quente, de pele tenra e macia. Sorri. Você de novo.

sábado, 9 de julho de 2011

bailarino

Vivo na ponta dos pés.
Como bailarino.
Como menino espiando no muro.
Como homem fingindo ser grande.
Como velho procurando livros numa estante empoeirada.

Vivo na ponta dos pés.
Enxergo mais longe,
Pulo mais alto;
Com o coração acelerado no peito,
Estou sempre pronto para dar um passo à frente.

Não tenho pé de apoio!
Não tenho passos pra trás
Ou caminhar-devagar.
Tenho sede de chegar. Ver.

...
Mas me perguntaram outro dia
Respondi com agonia;
Que vivendo na ponta dos pés,
Com meus pensamentos no ar,
Sim!, até o menor revés
É capaz de me derrubar.

sem título sem nome

Pensava ser um palhaço.
Mas era apenas um tolo.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

minha

ela era impenetrável como bolha de sabão,
triste como criança no natal,
simples como um labirinto.

e era minha. minha como tudo mais que não tenho.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

função sapato lugar calçada

Eu vinha de ônibus. Encolhido de frio, passei a manga do casaco na janela para enxergar lá fora. Foi quando olhei pra dentro.
Olhei pro meu assento. Lugar de sentar. Que horror!
O ônibus parou. Na parada do ônibus, desci.
Olhei para a avenida. De indas e vindas. Desespero.
Em um só olhar, mirei.
Pessoas, coisas, lugares!

Lugares. Funções para lugares.
Não havia lugares sem função e nem funções sem lugar determinado.

O café na xícara. O pires na mesa. O homem na cadeira. A cafeteria do bairro chique.

Sem conseguir me identificar com esse mundo, corri para a calçada.
Uma manada de sapatos, todos bem calçados, passava veloz.
Aquele dia, caminhei descalço pela calçada.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

virei item sem preço

Eu era anel.
Passava de dedo em dedo,
Até que me prendi no teu.
- deixei de ser adereço.

que cinza

O que você guardou de mim,
Depois de fechar a mala, bater a porta e acenar da janela do táxi?

O que você levou de mim,
Depois de dar adeus, abraçar, dar adeus de novo e ir embora, sem parar de olhar pra trás?

O que você deixou pra mim,
Depois de me ver, me olhar, me conhecer, me provar e me aprovar - pra depois se despedir?

O que eu sou/eu fui? Nós somos/nós fomos?
Se somos, como ainda somos? E se fomos, por que não mais somos?!

E afinal, quem é essa pessoa
aqui do meu lado, vestida com minhas roupas, que resiste a ir embora? - apesar de já ter ido...

mantra

Inverno, verão.
Invernos virão.
Eu vou.

domingo, 19 de junho de 2011

dizia

Sobre as pegadas, dizia que eram passado marcado na areia de sua praia.
Sobre as idéias, que não se podia tocá-las, mas que se podia sonhá-las - e que já era o bastante.
Sobre as pessoas, que eram quase todas invisíveis.
Sobre mim... dizia que eu era igual a ela.

sábado, 11 de junho de 2011

aqui

Olho nos teus olhos. E tu olhas para mim. Movo-me um pouco para a esquerda. Teu rosto permanece imóvel, mas teus olhos ainda olham para mim.
Passo a ponta dos dedos na tua boca. Para meus dedos, são teus lábios que os acariciam. Minha mão, suavemente, recai sobre teu rosto. Navega, como um barco em um mar tranquilo. A boca, os dentes, o nariz, a testa, os olhos, os cílios... Enxergo, com a ponta dos dedos, cada detalhe do teu rosto.
Uma lágrima cai dos meu olhos. Em cima da tua foto.

domingo, 5 de junho de 2011

mordida de tigre

Voltei com uma mordida.
Morderam-me.

Minha pele chora gotículas de sangue, como quem chora de tristeza. E quem choraria de tristeza?

Curativos, esparadrapos, sprays, bandagens e beijinhos de 'vai-ficar-bom'.

A pele cicatriza - tão rápido, que já estou com saudade da minha mordida.

(e se um dia a cicatriz sumir,
vem me morder de novo)

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Livres

Livre pra lembrar,
Se não quiser esquecer.
Livre pra andar,
Mas querer permanecer.
Livre pra acabar,
Mas insistir em insistir.

Livres.

ecoar

Um cheiro frio no ar - o ar
E seu vento seco cortante... - antes
Da lua luar - uar

No banco da praça - passa
Ela.
E eu a admirar - mirar.

Sem nada fazer - azer
Azar.
Não fiz.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

lejos

De vez em quando, sentia-se sozinho. Olhava ao redor, procurando um rosto amigo, uma palavra em sua língua, um gesto amigável. Às vezes , era a voz sobressalente de um turista de sua terra que o lembrava de seu próprio idioma.
De vez em quando, lembrava da falta que os detalhes faziam: um abraço especial, um sorriso, um "olá", na sua língua e com o seu sotaque. Pessoas, conhecidas ou não, mas que tivessem em comum a irmandade de terem nascido no mesmo lugar. Estranha fraternidade a dos conterrâneos!

Sentia-se sozinho. Sentia-se, às vezes, único, especial - porém, invasor. A Alice em um país de poucas maravilhas.
Talvez pior ainda fosse o peso da escolha que fazia diariamente. Escolhia estar ali, longe de casa, longe dela, longe de todos. Todos os dias, os olhares enviesados, as palavras secas, a falta de compaixão o impeliam a voltar. E ele não voltava.

Queria recriar a si próprio; começar algo novo, que pudesse chamar de "eu" com alguma naturalidade. Faria uma vida nova, com memórias novas e planos novos.
Estranhava seu estrangeirismo. Mas entranhava sua condição.

terça-feira, 17 de maio de 2011

complexo de complexidade

chegou em casa de tardezinha.
jogou sua mochila em um canto do quarto.
correu para a escrivaninha.
sentou-se na cadeira e tirou um lápis de uma gaveta meio emperrada.
puxou algumas folhas usadas e começou a escrever compulsivamente no verso delas.
escrevia com vigor - como se tirasse das próprias folhas, aos riscos, o significado que procurava.

- pela primeira vez se sentia complexo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

refém

Distraída, com seus fones enfiados fundo no ouvido. Caminha rápido, esquivando-se das pessoas na calçada. Amaldiçoa aquela gente toda e amaldiçoa o fato de estarem ali.
Ela se sente a menina a correr agilmente contra a maré de gente. Gosta de sentir-se assim; diferente. Veste-se diferente. Ouve músicas diferentes. Lê autores que ninguém conhece. Tem relações que ninguém entende.

Ela vê um braço, ao alto, do outro lado da rua, abanando. Procura o dono do braço no meio da múltidão. "Ah, não", ela pensa para si própria.
Ele atravessa correndo, sem nem olhar para os lados, sorrindo tolamente. Para na frente dela, espera pacientemente que ela tire os fones - e ela demora mais que o necessário. Ela não consegue evitar visualizar um cachorrinho que encontrou o dono. Dá um sorrisinho nervoso. É abraçada com força - sem retribuir. Livra-se do abraço. Evita fitar aqueles olhos tolos e sinceros. Aqueles olhos que ela já viu brilhar com sua presença, assim como viu marejados por suas palavras. Prefere admirar, com superioridade, a cafonice da camisa-polo azul-bebê que ele veste. Fala qualquer coisa:
- Quanto tempo...!
- Pois é né... Olha, eu só queria te dar um oi mesmo. Meio que tô com pressa, desculpa.

Ela não entende. Ele está com pressa?! Na frente dela, pressa?!
- Tu tem aula agora, ou o quê?
- Não, não... Tenho um... Encontro. Encontro? Ainda se fala isso? - ele ri.
Ela dá mais um sorriso nervoso, sem responder à pergunta.
- Encontro? Tu... Um encontro?
- É, pois é, eu sei. Um dia a gente tem que largar do osso, né? - dá uma piscadela, ainda sem parar de rir.
- É, não, legal. Eu só... Só achei estranho, sei lá. Mas eu me acostumo! - ela esboça um sorriso nervoso, mas sente-se tola. O que está acontecendo? Está se sentindo idiota na frente DELE?!

Passam-se, na cabeça dela, diversos minutos; minutos em que ela pensa no que representou para ele; no que ele já lhe disse, entre declarações, manifestos e pedidos - e nas grosserias que ela respondeu. Mas na verdade, são poucos segundos até que ele diga:
- Então, vou indo lá. Já tô até meio atrasado na verdade - ele olha para o relógio, naquele gesto instintivo de quem "tem que ir".
- Atrasado? Tu sempre foi de chegar até antes da hora! Tu mudou tanto assim?
- Há quanto tempo a gente não se vê mesmo...? - ele ri, jogando a cabeça levemente para trás. Ela nunca reparara como gostava daquela risada.

Após um beijinho ou dois, uma troca de "a gente tem que se falar hein", ele vai embora. Ela fica parada. Olha para si própria. Uma lágrima escorre por sua bochecha. Odeia-se. Odeia o fato de ele estar livre.
Ele não é mais refém dela.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

So don't think that I'm pushing you away

When you're the one that I've kept closest.

domingo, 1 de maio de 2011

almuerzo

Você senta à mesa. Larga a mochila no chão, ao lado da cadeira. Levanta-se, serve-se de salada e de suco. Você sabe que eu escolheria o de laranja, não o de melancia.
É o meu restaurante favorito - é o nosso restaurante favorito - e você se lembra disso a todo instante. Senta-se em um canto próximo à janela, na cadeira encostada na parede. Escora a cabeça no vidro e espera dois segundos; eu não vou chegar.
Você começa a comer, percebendo enfim que deixou vazia a cadeira de frente para a janela. Você gostava de sentar de frente pra janela, mas eu pedia tantas vezes e com tanta vontade (chantagem?) que agora você a deixava vazia até mesmo na minha ausência.
Você se serve de pratos quentes. Distraído, pega arroz com ervilha: eu não estou lá pra comer suas ervilhas. Come apressado, incluindo as ervilhas. "Bolinhas verdes de borracha" você dizia; eu sempre achei fossem mais que isso, mas hoje admito que você tinha razão.
Uma garota não tira os olhos de você; eu teria ciúme, diria que tinha visto você olhar para ela. Ou pior, ficaria em silêncio, séria, até que me perguntasse o que havia acontecido comigo. Eu teria que ser reconquistada, e você até gostaria do esforço... Mas você não dá bola para ela.
Cruza os talheres o prato e vai até o balcão de sobremesas. Lá estão a sua e a minha sobremesa favorita. Você pega a minha.

Eu também sinto a sua falta.

navegar

Apaixonei-me por um navio. Um navio que não tinha destino: tinha escalas.
Irreversivelmente atraída pelo navio, esperava ele dar suas voltas pelo mundo. Recebia-o em meu porto, com um abraço e boas notícias; despedia-me com um lenço em mãos, os olhos marejados. Mas o navio era ligeiro; nem bem via minhas lágrimas, saía buzinando rumo a outra costa qualquer.
Éramos felizes, quando juntos, mas não fazíamos promessas quaisquer um ao outro: era algo momentâneo, inocente, espontâneo, puro (ele gostava de usar essa expressão).

E assim se foram anos. Eu esperava o meu navio. Ele atracava no meu porto, mas logo ia embora, deixando-me às lágrimas - sem sequer notar.

Quase acostumado a essa rotina de reencontros, despedidas e indiferença, um dia recebo uma carta. É do meu navio. Ele se foi há uma semana, e já me manda uma carta?! Rasgo o envelope e leio as confusas letras da carta: mas... mas... não faz sentido! O meu navio não quer mais me ver! Diz que sente minha falta em suas viagens; diz que vira de costas ao ir embora, não por indiferença, mas para esconder suas lágrimas! Diz que atracar em muitos portos é que é sua vida; que eu sou apenas um capítulo - apenas circunstancial. Que não devo procurá-lo, que não devo tentar dissuadi-lo. "Boa sorte" ele diz ao final!
Desnecessário dizer o quanto amaldiçoei aquele navio! Seu casco envelhecido, sua buzina estupidamente alta, seu motor barulhento, sua tripulação grosseira... (...) sentia falta de cada um de seus defeitos, mas fingia ver, em cada um deles, motivo para não sentir saudade.

Do navio não ouvi por muito tempo. Um rumor ou outro, de que havia se acidentado (consegui fingir indiferença), de que havia encontrado riquezas e atracado definitivamente em algum porto longínquo... as histórias eram as mais fantasiosas, e eu já imaginava que nenhuma delas era realmente verdade.

...
Um dia, caminhava eu pelo cais. Fingia que era um atalho para minha casa, mas eu bem sabia por que estava ali. Aquele cheiro desagradável do rio, aquela gente esquisita, aqueles atracadouros com sua madeira podre... eu conseguia tirar algo bom de tudo aquilo, só de lembrar do meu navio. Nossas longas conversas, nossas risadas; músicas, carinhos, livros, olhares.
Vi, ao fundo, o casco do meu navio, virado de costas para mim. Seria ele? Ou será que a distância teria me confundido? Caminhei (primeiro lentamente; depois, a passos largos) até o píer onde ele estava. Ouvi sua buzina cantando alta e desajeitada; era ele!
Aproximei-me lentamente por trás, cutuquei-lhe as costas. Ele virou para mim. Primeiro, um olhar sério e repreensivo; não aguentando, abriu um sorriso amigável. Pegou em minha mão.
Meu navio começou "descul...", mas "não!" eu disse. "Um começo?" ele arriscou. "Um começo", consenti.

E é por isso que estou indo embora.

sábado, 30 de abril de 2011

cidade, chuva e o que mais a gente for

chove na tua cidade,
e tu não estás aqui pra assistir.

caio na tua calçada,
e tu não estás aqui pra me juntar.

chove na nossa cidade,
e eu sozinho a imaginar
o dia que eu cair na tua calçada
e tu vieres me juntar.

chove agora uma garoa
que nem serve pra molhar...
só pra me lembrar das vezes que caí
(e tu vieste me juntar)

chove na minha cidade,
que nem é mais bem tua.
[e se não é bem tua,
tampouco minha há de ser.
vou aí cair na tua calçada
se assim escolher]

quarta-feira, 27 de abril de 2011

sorriso-e-até-logo

Brindo comigo mesmo ao teu sorriso de esperança;
Brindo aqui sozinho, ao desafio da distância.

Brindo triste e solitário:
Triste nem tanto;
Solitário por enquanto.

domingo, 17 de abril de 2011

combinar

(Ao vê-la do outro lado da rua, soube logo o que fazer. Recitou para si próprio um verso de sua canção favorita, respirou fundo e atravessou a avenida em direção a ela, não sem antes ajeitar seu chapéu favorito na cabeça.)
(Ao vê-lo atravessando a rua em direção a si, ela diminuiu o passo, respirou fundo e mirou seu reflexo em uma vitrine. Achava-se comum demais. Pelo menos estava com seu vestido favorito.)

Ele fez uma reverência esquisita, derrubando sua cartola. Ela riu; um riso situado entre o constrangimento e a empatia - era desastrada também.
Ela juntou a cartola do chão, deu um tapinha para tirar a poeira e colocou-a na cabeça. A cartola cobria-lhe as orelhas e mais de metade dos olhos. Combinava de um modo inesperado com seu vestido roxo e com seus sapatos bem lustrosos. Talvez fosse o brilho da cartola, talvez fosse a cor, talvez fosse o mero fato de que eram indiscutivelmente feitos para combinar...

tinha que ir

Ela não disse nada. Mirei-a com o olhar mais curioso e indagador que pude forjar e perguntei:
- Tu não vai me dar tchau?
Os olhos dela eram agora de súplica:
- Eu preciso te dar tchau? - e esboçou um sorriso nervoso.

Olhei em volta, como se alguém ali pudece decidir por mim - como se alguém ali pudesse me impedir de ficar. Cocei a cabeça, nervoso. Olhei para o relógio, para ela; para a minha passagem, para ela; para as minhas malas, para ela de novo. Virei-me para olhar o quadro de "partidas / chegadas".
... eu tinha que ir. Ou ficar.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Vai, acorda, que hoje eu vou te visitar.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

botas de garota de botas

Onde deixaste tuas botas,
Ó gato do telhado?
Aquele par que tu gostas.
Que nunca deixas de lado.

Terá sido numa lata de lixo;
Traindo a raça dos gatos,
Brincando com outros bichos;
Tão distraído que até esquece o sapatos?

Terá sido na casa de dona Margarida,
Que te dá um prato de leite,
Outro prato de comida,
E te deixa lá de enfeite...?

Acho que na casa de outro gato-tenor;
Não adianta esconder!
- a noite inteira a compor
Músicas e miados de prazer...

... procura bem em toda a rua
Tuas botas de cano alto.
Me dói menos que as encontre na tua
Que na cama de outro gato.

(e um dia tu me chamas
para olhar embaixo da minha cama;
o couro da bota reluz e debocha
do meu ciúme da tua galocha)

terça-feira, 29 de março de 2011

das coisas que mais gosto
é lembrar que, mesmo longe,
tu ainda gosta de mim.

quarta-feira, 23 de março de 2011

mousse chinês

Nunca gostei
de mousse de maracujá

- até o dia que te provei.

terça-feira, 22 de março de 2011

ecoar

Eco na sala
TV ligada
Ecoa na sala

Sofá na sala
TV brilha no sofá
Brilho trêmule no sofá

Garoto sentado no sofá
TV brilha no garoto
Brilho trêmule no garoto

Garoto não assiste à TV
Ele pensa na distância
Eco no garoto
(depois de meia hora, ele desliga a TV e escreve pra ela.
agora ele ecoa no papel)

visitas

Se eu te mandar uma carta,
Espero que me vejas dentro dela.
E se de palavras já estás farta,
Me espera de olho na janela.

Visita-me naqueles sonhos bons;
Repletos de abraços infinitos,
Dos quais acordo com agito,
Tentando ouvir teus sons.
brinco com palavras
pra fingir que brinco contigo.

desbotar

bem cedo de manhã,
ou então ao anoitecer,
o céu é cor-de-rosa;
o teu cabelo cor-de-rosa.

o céu bota e desbota,
mas de tarde é sempre rosa;
o teu cabelo cor-de-rosa
colore minha parede

teu cabelo se mudou,
deixou rosa minha parede;
minha parede já desbota.

teu céu é sempre rosa.
meu céu ainda é rosa
(durante o dia inteiro)
saudade do teu cabelo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

O primeiro dia frio do ano

O ônibus sacolejava, quase vazio, seguindo a tortuosa avenida com sua luz opaca. Os faróis eram ainda menos visíveis e iluminavam ainda menos graças à pesada chuva que caía. O coletivo freava, de parada em parada, abria suas portas, esvaziava-se um pouco mais, depois seguia viagem.

Sentado em um banco, ele olhava atento para fora. Carros passavam velozes, levantando a água do asfalto. Vira-latas sacudiam-se sob toldos de botecos. Pessoas corriam com jornais sobre a cabeça, fingindo acreditar que aquilo adiantava para alguma coisa... Era o que ele próprio chamava de um dia cinza.

O ônibus passou por um relógio de rua. O relógio alternou seu marcador para a temperatura. As pessoas no ônibus suspiraram e cochicharam: era o primeiro dia frio do ano. Repetindo um gesto comum nos últimos dias, ele abriu sua carteira; olhou para a foto dela. Aquele sorriso... Não, meio-sorriso; aquele meio-sorriso da foto flertava com sua saudade. Deixava-o mais triste, mais impaciente - com mais saudade.

Arrepiou-se. Era o primeiro dia frio do ano. Mas para ele, foi o dia mais frio do ano.

quinta-feira, 10 de março de 2011

ponto final ou ponto e vírgula? fomos uma exclamação

- Tu não precisa ir - disse de uma só vez.
Os olhos dele brilhavam, marejados de lágrimas suplicantes. Segurava firme a mão dela. Ela tinha o olhar ainda seco (quase uma fingida indiferença), mas uma lágrima fugitiva correu até sua boca e ficou presa na volta do seu lábio. Ela a secou com a outra mão, constrangida. Odiava despedidas em aeroporto mas, daquela vez, sentira a necessidade.
- Tu sabe que é o que eu sempre quis. Tu sabe que eu sonho com isso. Não é justo pra ti.
- O que não é justo pra mim? - foi a última coisa que ele disse para ela (e arrependia-se disso todas as noites depois daquela, quando pensava em frases que devia ter dito).
- Querer competir com isso tudo. - ela respondeu simplesmente - Mas se tu fosse um sonho, eu iria atrás de ti - piscou tolamente com um olho. Tinha o péssimo hábito de tentar amenizar situações não-amenizáveis. Sempre sem sucesso.
Ela puxou a mão. Ele não soltou. Ela sorriu tremulamente, contendo bravamente o choro, e escorregou seus dedos para longe dos dele. Virou-se de costas e caminhou em direção ao portão de embarque.
Descambou a soluçar antes mesmo do raio-x.

Ele ficou ali parado durante quatro ou cinco minutos, olhando para a porta por onde ela havia passado sem sequer olhar para trás. Secou os olhos, que ainda choravam pesadamente. Chorariam por mais algum tempo. Girou lentamente e cambaleou até o ônibus. Saltou do ônibus e cambalou até sua casa. Cambaleou durante meses, mas hoje anda ereto.

terça-feira, 8 de março de 2011

rotinando

Eu tento dormir.
Durmo, acordo, bebo água, durmo e acordo.
Levanto, saio, entro, vou e volto.
Como, bebo, reclamo, como, bebo, elogio, como, bebo, bebo e bebo.
Lembro, perco, esqueço, encontro e xingo.
Caminho, corro, caio, levanto, caio, rastejo, levanto e sento.
Assisto, discuto, converso, leio, escrevo e morro de saudade de você.

... e tento dormir de novo.

domingo, 6 de março de 2011

cliente exigente

Passei na frente de um bar. Bar é demais: boteco. Passei na frente de um boteco.
Um boteco com cheiro de boteco: aquele aroma característico de cerveja derramada no chão e jamais limpa.
O azulejo da parede do boteco era daquele branco-geladeira (ou o que a maioria das mulheres define como "gelo", mas que os homens são incapazes de diferenciar de "branco"), amarelado pelo tempo e pelas infinitas tragadas de cigarro de seus frequentadores.
O chão era um mero concreto, sobre o qual não se tivera sequer o cuidado de colocar um piso.
O único cuidado ali era com a mesa de sinuca: sob os pés da mesa, pedaços de pano para não danificar a madeira. Sob um dos pés da mesa, ainda um pedaço dobrado de jornal, para compensar o chão que era torto.
Uma televisão, cuja sintonia era auxiliada por um pedaço velho e enferrujado de esponja de aço, mostrava um jogo de futebol da segunda divisão do campeonato estadual.

O boteco tinha cheiro, aura e alma de boteco.
O boteco sorriu para mim.

sexta-feira, 4 de março de 2011

circunstancial (2)

Circunstancial é a vida.
Circunstanciais são as decisões.
As viagens, os planos, as amizades, as escolhas, os caminhos

Circunstancial é a pedra, as queda e o machucado.
É a lambida na ferida, é o remédio, é o veneno.
Circunstancial é a lágrima, é o sorriso.

Circunstanciais são eles, elas, as coisas, as não-coisas, o ser e o não-ser.
Circunstancial é todo o resto.

Eu e você, nós somos o destino.

ficção

Às vezes me perguntam, e às vezes me pergunto
Se é errado, se é feio ou se é normal
Escrever sobre o real
Mantendo apenas o assunto.

Mudo uma frase, a entonação e a intensidade.
Mudo uma cortina, muda a cor dos olhos.
Mudo o horário, o cabelo e a cidade.

Modifico os personagens, a história e o cenário
Enquadro-os todos em uma fotografia
Surgida no meu mais profundo imaginário
- mas que, na hora, era o que eu via.

E que errado que é isso!, pensava eu.
Mas veio alguém pra me dizer que não.
"Não importa se aconteceu;
Uma vez que vai para o papel,
Vira ficção."*

*Créditos para o filme "Storytelling - Histórias Proibidas" (2001)

ébrio. solitário. desejoso.

Vem,

Vestida de
Passado;

Que te jogo pro
Futuro,

Que ainda vai

Chegar.

quarta-feira, 2 de março de 2011

E talvez eu não tenha escolha

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Afinal,
acho que o que eu chamo de eco
é o que chamam por aí de saudade
(só que um pouco mais)

esquecer

Tuas fotos na minha mesa.
Tuas roupas no meu armário.
Teu cheiro no meu travesseiro.
Tuas músicas na minha cabeça.
Tua foto na minha carteira.
Teu sorriso, tua voz, tua imagem na minha mente.

Será coincidência...
ou eu não quero te esquecer?

domingo, 27 de fevereiro de 2011

E hoje de noite,
Numa pista de dança escura e inebriante,
Via de relance teu rosto numa dúzia de corpos diferentes.
Mas nem assim é o bastante!

Dançavam tolamente;
Não chamavam meu abraço.
Sorriam com todos os dentes,
Mas não atraíam meu beijo.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

chuva

E depois de me despedir dela
Chorei minhas lágrimas.
Todas.

Como eu não tinha lágrimas suficientes,
Começou a chover...

domingo, 20 de fevereiro de 2011

se-chegar ou quando-chegar

O dia que eu não fizer mais piadas sem graça;
O dia que eu não disser mais teu nome sem motivo - só pra deixar ele ecoando no ar;
O dia que eu não rir sozinho, olhando pro teu rosto e te deixando sem entender nada...

Se esse dia chegar, pode acreditar,
eu não gosto mais de ti.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

cor de rosa

Entro debaixo do chuveiro.
A água fria molha meu cabelo; me arrepia e desperta para a realidade: ela foi embora.
Olho para meus pés e, logo à frente deles, o ralo. Ali, presos, fios de cabelo rosa. Tremem e sacodem nervosamente com a força da água, mas não caem ralo abaixo.

Sorrio para eles. "Intrometidos" penso, irônico. Embora tenham sido convidados e incentivados a estar ali, aquele fios compridos e coloridos são intrusos naquele mundo tão cinzento e masculino.
São, de certa forma, um lembrete de quem esteve ali. Lembram-me de que serão, eles mesmos, substituídos por outros fios - lembram-me de que ela vai voltar. E ela vai voltar, eu sei.

No entanto, mais intrometida ainda, uma sombra cruza minha mente. Um pensamento frio e infeliz: chegará o dia em que os fios de cabelo rosa estarão ali, esperando cair ralo abaixo, esperando que a água os desbote. Chegará o dia em que não serão substituídos. Chegará o dia em que a própria dona daqueles fios será apenas uma lembrança cor-de-rosa, presa no ralo do meu chuveiro...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

poemas sem título

Poemas que não têm título
São como sentimentos que não têm nome;
São como amores inclassificáveis.

São puros, incontidos.
Não se entregam à necessidade meramente humana e mundana
De chamar tudo por um nome.

Um poema sem título - tem rima
Um sentimento sem nome - causa desassossego
Um amor que não se encaixa - simplesmente é.

manifesto de autossuficiência

Quis falar de coincidências
Que talvez você não veja.
Quis falar de relações
Que talvez nem façam sentido.

Quis falar do que eu sinto
- talvez você não sinta.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

a minha canção. o meu garoto. e um fim.

Ouvi uma história que não deviam me contar.
A história de um garoto que se afogou no mar.
Não caiu por acaso, decidiu se atirar.

"O garoto um dia nasceu. Um dia em uma família. Em uma família, em um lugar. O dia, a família e o lugar não importam: poderiam ser os seus.
O garoto, ainda bem jovem, se desapontou com sua família; buscou então amigos, vizinhos e colegas. Os amigos, vizinhos e colegas foram o bastante para si durante algum tempo, mas ele logo viu que não lhe satisfaziam completamente: um pouco menos jovem, o garoto passou a se apaixonar. Apaixonava-se como que por vício. Enamorava-se a cada pouco e, a cada pouco, cansava e mudava tudo.
Durante anos, o homem (pois ele já era um garoto de meia-idade) apaixonava-se, desapaixonava-se e reapaixonava-se como remédio para a paixão anterior... Apaixonava-se por pessoas, por ideias, por lugares, filmes e canções. Mas era tudo passageiro. Efêmero.

Já velho, muito velho, o garoto decidiu desistir de suas paixões. Mudou-se para uma praia isolada de tudo e de todos. Apenas ele, seu modesto chalé na encosta do morro e aquela imensidão de água salgada, que chocava-se nas pedras do morro.
Passou a escrever. Poesias, contos, livros inteiros. Durante horas, escrevia sobre si, sobre os outros. Sobre quase tudo e (por isso mesmo) sobre muito pouco. Lia aquilo que escrevia e sentia-se um pouco melhor. Mas ainda achava tudo muito morno, sem vida. Olhava ao redor, fitando sua praia, a cinzenta areia a colorir com tons melancólicos sua mente... Escreveu uma canção.

O garoto, dentro do velho, deu ao mundo seu mais triste som. Nos acordes, nas palavras, no tom de sua voz. Satisfez-se. Percebeu que era aquilo que devia ter feito anos antes. Percebeu que todos os degraus de sua ridícula existência culminavam naquelas palavras - e que, por um lance do destino, só o horizonte ouviria.
Assim, durante semanas, cantou para o oceano. O mar, como que aplaudindo, batia violentamente nas rochas, espumando e ecoando pela praia. O velho garoto sorria um sorriso enrugado para o mar. Um dia, subiu na pedra mais alta do morro, onde o vento rugia assustadoramente - ele não temia. Cantou o último verso de sua canção e..."

Simon & Garfunkel - Bookends

Time it was, and what a time it was, it was...
A time of innocence, a time of confidences.
Long ago, it must be, I have a photograph.

... preserve your memories, they're all that's left you.

pré-eco

Esse teu cabelo
Tem cheiro de saudade,
Porque parece que nunca
Termino de cheirar.

for the price of a night with me...

Porque está incluso no preço:
Desenhos abobalhados de dinossauros cor-de-rosa
Alegrias imbecis de sábado à tarde
Algodões-doces (metafóricos ou não)
Saudades eternas depois de um dia afastados.
...
E, no fim (seja quando for), tristeza.
Mas passa.
Isso também está incluso.

[... you'd be the village joke]

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

incrédulo

Se ela diz que sim,
Logo penso "mentira".
Não que eu prefira
Que ela diga não.

Não tem como ela acertar,
Quando eu julgo cada palavra
Como se fosse a última

Se ela gritar que me ama,
Vou achar suspeito
(mesmo que lhe saia do peito).
Se ela jurar fidelidade,
Vou imaginar seus dedos cruzados
(mesmo que nunca tenham estado).

Escuta...
Desista de promessas.
Invista em gestos,
Carinhos manifestos;
Beijos, abraços e olhares
Sem a menor pressa...

(sempre) primeiros beijos

Sem planos.
Que seja o que for;
Porque o que quer que seja,
Que seja o que é.
Sem amanhã nem depois.
(para o bem e para o mal,
por querer e sem querer)
E só assim será bom.

A única promessa que peço se cumpre no exato instante em que é proferida...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ou é música ou é amor.

Entra pela pele, pelos olhos, pela boca e até pelos ouvidos.
Colore por dentro. Faz brilhar lá fora; faz tudo ter vida, cheiro, cor, temperatura - nome e sobrenome.
Preenche. Completa. Embeleza.

Ou é música ou é amor.

passar por cima

... só quando olhei de perto percebi que ela estava chorando. Virei os olhos para outra direção: não queria que ela soubesse que eu havia percebido o quanto essa se importava.

Conversávamos seriamente. Pesadamente. Os fantasmas saíam todos do armário. Os assuntos mais delicados eram analisados criteriosamente. Fizemos, enfim, uma autópsia cuidadosa, atentando para tudo que apodrecera dentro de nós mesmos e que nos havia quase matado - como "nós".

Os minutos eram horas inteiras. E horas passamos. Falando, admitindo, corrigindo, tentando perdoar e tentando ser perdoados... Até que o sol se pôs, as primeiras frias brisas noturnas nos arrepiaram, e a lua nos convidou a fazer as pazes.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

de repente

Uma agitação inexplicável.
Ausência momentânea de sorrisos, simpatia - de qualquer sentimento bom.
Angústia, medo, tremores, frio. Frio por dentro.
Um peso insustentável sobre os ombros.
Um gole de água gelada que não desce pela garganta.
Súbita vontade de morrer, vontade de deixar de ser.
O final do fim parece ser a parede logo à frente, que nunca foi tão azul e que se aproxima tão rápido...

E de repente passou.

o lirismo dos bêbados

Dois gatos bêbados cantam em cima de um muro.
Desafinam suas canções favoritas e parecem não se importar com o barulho que fazem. Os dois gatos entoam ritmos misturados, rebeldes e vigorosos, sobrepostos e arranhados.
Miam alto, um para o outro.
De vez em quando, engalfinham-se em abraços bem apertados, dos quais saem ambos arranhados e descabelados.
Os dois gatos bêbados em cima do muro estão alto demais para serem vistos. Alto demais para ouvirem as reclamações. Alto demais para qualquer coisa.

Não teria a menor graça, se não fossem iguais a nós.

sábado, 29 de janeiro de 2011

laços

Tem dias que estou tão bem:
Piso em uma lajota solta,
Ela me encharca,
E não reclamo pra ninguém.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

I saw everything I've seen, and I meant everything I mean

Nem adianta fingir
Que não cruzamos
Olhares furtivos
Entre as cenas aborrecidas
De um filme qualquer.

Não vamos sair.
Podemos passar anos
Inventando motivos,
Ou conversas perdidas,
Dê no que der.

Nem pensem em abrir
A porta que fechamos!
Mas se estamos meio esquivos
É pelas velhas feridas
Que fecharemos - se quiser.

jóias do lado da cama

Ontem de manhã,
Ela se foi e logo vi
Jóias do lado da minha cama
(se fossem de qualquer outra
eu as chamaria bijuterias)

Anéis, pulseiras e brincos
Cintilam à luz fraca da manhã
Do lado da minha cama.
A moça cintila em outras bandas
Loge da minha cama.
Ficaram-me apenas as jóias.

Seria falta de modéstia me perguntar
Se ela as deixou ou esqueceu...?

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Eco

Eco.
A música toca mais alto
As paredes são mais frias
O teto está mais longe
O chão não termina.
É tudo cinza
Está tudo queimado, consumido
Tudo ecoa.
Eco.

Mas pronto pra ser de novo.

ovo

Eu quis sonhar de novo
Sair da minha casca.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

crível

Uma vez atingido o inatingível,
teve vontade de dizer indizível

mas
faltavam palavras em sua boca seca;
faltavam gestos em suas mãos desajeitadas;
faltavam lágrimas em seus olhos marejados.

contentou-se em sentir
- e em sentir-se bem.

descisão.

O assunto pesava sobre os dois.
Era o tipo de decisão que não se toma, mas que se segue.
Era o tipo de conversa em que palavras não deveriam ser necessárias.
O sol ia-se aninhando entre os prédios da cidade, onde permaneceria escondido até o outro dia.

Calaram-se por poucos longos instantes.
Ele desviou o olhar, mirando desinteressadamente a luz vaga e tremulante de um ônibus que vinha de longe, pela avenida. Logo, voltou a observá-la, procurando uma resposta (um sinal, uma segurança... uma pergunta que fosse!) no seu rosto. Mas ela fitava longamente o céu com um ar indagador.
Pensou em perguntar o que ela olhava, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, já via seu próprio rosto novamente refletido nos olhos dela. Ela sorriu com um canto da boca, apontando para o céu:
- Achei que fosse uma estrela, mas era um avião.

Ali acabou a conversa. Sem palavras.
Ali começaram a seguir sua decião. Sem tomá-la.
(era uma estrela, mas isso não interessa)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Um dia me deu vontade de escrever
Mas eu não tinha papel.

Se é que dá pra entender.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Bob Dylan - Simple Twist of Fate

I still believe she was my twin, but I lost the ring.
She was born in spring, but I was born too late.
Blame it on a simple twist of fate.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

aproximadamente entristecido

Você foi embora dizendo
que trabalhava cedo
e nunca mais voltou

Me deixou com duas canecas
de café amargo na mão
e nunca mais voltou

não perder

Um irresistível desejo de apagar tudo,
Recomeçar do zero.
Pedir desculpas pro mundo
E ver se dessa vez não erro.

Queria sentir a paz
Que não sinto há muito tempo.
Ah, as besteiras que a gente faz
E põe a culpa no vento...

Mas não culpo ninguém pelo que eu faça.
Se não pensei o bastante,
Foi minh'alma inoperante
Que flertou com a desgraça.


(... saudade de brincar contigo.
A chuva fria a nos molhar;
Fingindo ser só um amigo
- mas entregue pelo olhar.)

E se me dessem uma chance,
Eu saberia aproveitar.
Investiria em um romance
Uma palavra, uma pessoa e um lugar.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

laranja II

Palavras
Escritas no papel, na parede
Ou pairando sobre a cama...
Tortas ou retas,
De cores diferentes.
Todas parecem dizer o mesmo.

(...) essa aura de poesia
Dá vontade de ser feliz.

será nosso

Tu não serás o meu primeiro amor.
Não garanto as palavras mais apaixonadas,
Os carinhos mais manifestos,
Os olhares mais inocentes.

Tu não serás meu último amor.
Não prometo juras eternas,
Palavras escritas na areia
(que o vento jamais haveria de apagar)

Mas eu quero o teu amor agora.
E serei sincero em cada palavra,
Em cada gesto e em cada olhar.

Seremos nós mesmos a cada dia,
E o que durar será nosso lucro.
E o que durar será nosso.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

tá me entendendo?

Tiê - Te Valorizo

"Vem, te faço um carinho; eu te toco mansinho;
Te conto um segredo, te encho de beijo;
Depois vou descansar, não vou te acompanhar;
Espero que entenda"

rir

Cansei de fazer rir
Das minhas piadas;
Agora eu quero
Rir também.

sábado, 8 de janeiro de 2011

tá.

E eu
Que cheguei a acreditar
Que nunca ia terminar

E que depois pensei
Que não ia esquecer

Fiz terminar
Fiz esquecer.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

sorrisos, feijões e ano novo

A lua brilhava timidamente amarelada, ao fundo. Os entusiasmados fogos de artifício pipocavam no céu, tingindo-o com suas cores bobas: enormes flores vermelhas, roxas, azuis - nada que fizesse sentido para ela.
Sentou-se na beirada da cama, olhou pela janela com uma tentativa de meio-sorriso. Lembrou-se que ninguém estava ali para vê-lo. Desarmou o sorriso.
Como se não conhecesse o próprio quarto, olhou ao redor; tentava lembrar-se, por puro tédio, do porquê de cada móvel, a história de cada prateleira, o momento de cada retrato, o motivo de cada papel colado na parede... Sorriu um pouco mais sinceramente ao se dar conta de que ou tudo aquilo fazia sentido, ou nada fazia.
Afundou-se em seu livro de capa larga, que praticamente a escondia atrás de suas páginas. Talvez gostasse disso.

Horas depois, o foguetório já havia diminuído. Os olhos cansados, o corpo pesado, decidiu dormir. Conferiu seus fiéis feijõezinhos: ainda estavam ali, na mesinha ao lado da cama. Um, dois, três feijões (ela os contou mentalmente, com cuidado). Não era dada a acreditar em simpatias, mágicas ou milagres, mas a comicidade daqueles singelos feijõezinhos conquistara sua simpatia. Guardou-os dentro do sutiã (não sem antes olhar em volta, um pouco apreensiva), desejou-lhes um feliz ano novo e embalou-se em um sono tranquilo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

lugares

- Pois é, eu tava mesmo pensando nisso; nos "lugares" que a gente conhece através das pessoas que a gente gosta...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

uma lágrima.

e depois de muitos anos,
despretensiosamente,
no meio da madrugada...
pensando em meus enganos
(com o peito, não com a mente)
e em tudo que fizeste - nada
... uma lágrima eu pari.

ela morreu singela, seca
antes de me cair dos cílios.
- e eu vou morrer singelo, seco
antes de parar de cair dos teus cílios...