sexta-feira, 23 de novembro de 2012

se uma árvore cai

Passa um, passam dois
Três e muitos ônibus
E aquele menino
Com o olhar fixo
Não parece esperar
Linha certa ou
Carro vazio.

Deixo-me estar
Pela companhia
De sua paciente espera,
E começo a pensar
Que só quem ali fica
Tanto quanto ele
Sabe o quanto esperou.

Passam todos os ônibus
De todas as linhas
De todos prefixos, todas cores, biarticulados, lotados, ares-condicionados.
E o garoto firme.
Ônibus de outras cidades,
Lotações
- até uma ambulância.

Será que espera alguém?
Uma oportunidade?
Um sinal?
Eu?
Como que me respondendo
O menino faz sinal
A um que vai pro Centro
(como todos os anteriores)

Continuo sem resposta
Pra pergunta
Que só eu perguntei.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A Rita. outra.

Você foi embora
E levou minha caneca preferida
Com meu chá morno adocicado.

Você foi embora
E levou a chave da porta
- a minha chave da minha porta.

Levou meus livros
Mas tenho um ou dois que são seus

Fiquei com a janela aberta
Mas a cortina florida ficou pra você.

Você levou tanta coisa
E tanta coisa ficou
Que eu nem sei o que é seu
O que é meu
Quem sou eu.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Figueira

Casei-me há dois anos, dois meses e dois dias. Com uma Árvore na frente de casa.
Certamente, o primeiro casamento realizado à sombra da noiva.

Os poucos convidados espalharam-se pelo perímetro coberto pelos ramos da Figueira:
Meu Vira-Lata, de fraque; duas Galinhas (que tiveram a atenção chamada, pela algazarra); os três filhotes de Gato que eu achara duas semanas antes, num cesto; uma Joaninha - que alguns afirmam ter ido embora junto com um Besouro muito colorido; meu irmão, ainda dentro das fraldas.

O cheiro de mato queimado pelo sol ainda restava no ar, quando nos prometemos amor eterno, na saúde e na peste, na colheita e na seca. E quando o Gambá, fazendo vezes de padre, perguntou se alguém ali presente tinha a dizer algo que impedisse aquele casamento, foi que minha mãe chamou de dentro da casa para o almoço.

Casei-me há dois anos, dois meses e dois dias. Com uma Árvore na frente de casa.
Com tudo que tem fora de casa.
Comigo.

quinta-feira, 7 de junho de 2012


Simetria confusa.
Simetria com ferida - aberta
Conferida pela minha preferida
E rompida pela intrusa
                     Posferida
                            Você.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

22 maneiras de encontrar sua alma gêmea

IV. Extinga o medo.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

23 maneiras de encontrar sua alma gêmea

III. Olhe pra direita, pra esquerda
Pra direita, pra esquerda,
Dê uma volta em si mesmo
E olhe para frente

E, quando passar o borrão de cores,
Se as pessoas ainda forem as mesmas,
Troque de lugar.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

24 maneiras de encontrar sua alma gêmea

II. Nos meus lugares favoritos,
Conheci minha pessoas favoritas.

E as pessoas favoritas
Conheceram meus lugares favoritos
- e eles se tornaram também seus favoritos.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

25 maneiras de encontrar sua alma gêmea

I. Hoje andando na rua,
Vi um senhor mancando;
E atrás dele uma mulher mancando também.
Ambos puxavam da mesma perna.

domingo, 6 de maio de 2012

pequeñeces

Chica pequeña,
de nombre sencillo;
me enamoré de tus ideas,
me enamoré de tus imágenes.

Chica sencilla,
de nombre tan corto;
me enamoré de tu rostro,
me enamoré de tu charla.

Que genial sos vos,
De hacer grandes cosas
Con tan tan poco.
De tan lejos llegar
Con tan tan poco.
De tanto decir
Con tan pocas palabras.
De tanto me hacer recordar
En tan poco tiempo.

De me hacer enamorar
Con tan corto nombre...

Gosto

¿Que gosto tem a tua existência? Não falo da vida, senão da existência.

¿Que gosto tem ela para ti, que gosto tem ela para quem te cerca - e até mesmo para quem não te conhece?

¿Tem gosto de juventude, tem aroma de vento?
¿É cheia de virtude?
¿Nenhuma pitada de ressentimento?

Não se deixe enganar
Pela falsa ideia intuitiva
Que a vida tem que passar
E a gente passar pela vida.

Porque escolher,
A cada passo que se dá
A cada lugar que se vá;
Escolher pelo simples poder
é a única opção
(mesmo que não passe de ilusão)

segunda-feira, 16 de abril de 2012

tédio

Parece que faz dois anos que eu não conheço ninguém novo.
Há dois ou três anos eu não ouço uma ideia genuinamente original.

Existe algo de arquetípico no jeito de ser humano.
Existem umas poucas maneiras de ser alguém, e eu já devo ter conhecido todas ou quase todas. Agora é só repetição.

sábado, 17 de março de 2012

início aberto; final fechado

Desde a primeira vez que a vi
Há um mês, ou por aí...

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

La lluvia

Eu sou a chuva que cai;
Eu sou as folhas encharcadas de uma árvore;
Eu sou a gota que escorre da ponta do teu cabelo.
Sou o fim da inocência, ou o fim de alguma outra coisa.

Sou água fresca - para quem tem calor
E água gelada - para quem tem frio.

Eu mudo, não me mudam.
Eu molho, não me molham.

Inevitável como uma tempestade;
Inevitável como uma tarde de sol.
Sou bom, sou ruim;
Sou bom e depois sou ruim.

Você me diz como eu existo;
Me fala de temperatura-pressão-umidade-relevo-estação do ano...
Mas nunca saberá explicar. Por quê.
Aqui. Agora. Assim. Em ti.

Você, plantinha.
Linda plantinha.
Frágil.
Colorida.
- acho que chovi demais ontem à noite.
Afoguei o meu amor.

Que o sol seque as tuas pétalas,
E outra chuva te traga melhor sorte.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

gênero

Às vezes me digo mulher,
finjo ser garota;
talvez pra compensar
tantos dias disfarçado de homem.

Escrevo sempre "cansada", "apaixonada",
"calado", "sério" ou "faminto";
"alegre", "triste" e "feliz"
nos dias de indecisão.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ao contrário

Ela tinha um rosto irritante. Proeminente, provocativo. Irritante. Na medida do apaixonante.
E havia algo mais que essa modestíssima rima no rosto dela. De fato, ele rimava apenas nas palavras.
Tinha olhos pequenos; pequenos demais para se enxergar o que tinham por trás, talvez. Dissimulados, ora acastavanham-se timidamente, ora reluziam em verdejante verde escuro. No entanto, não posso reclamar que não me tenham sido sinceros. Nas gordas lágrimas que tanto vi caírem de seus cantos; no brilho, ao me ver - brilho que já quase nem lembro mais.
Seu nariz, anguloso, era o retrato oposto de sua personalidade - fazia Lombroso sacudir-se em sua tumba. Arrebitado, meticuloso, cauteloso. Não poderia ter menos dela mesma, por mais que fosse bem no meio do próprio rosto.
A boca, pequena, raramente fechada; aliás, quando fechada, me angustiava, me amedrontava, me gelava o sangue. Seus lábios finos moviam-se com facilidade, exibindo seus dentinhos afiados e sua língua vermelha. Dentinhos carnívoros! Não poderiam ser menos verdadeiros.

O que irritava naquele rosto era que podia ser belo. Era que instigava. Que chamava. Conclamava uma ode, exigia atenção, queria meu olhar e reclamava da distância do meu próprio rosto.
Ah, pequena face enganadora. Que o brilho dos teus olhos me deixe dormir pelo menos hoje à noite.

les gens

Essa gente toda
Essa gente tola
Parece chiclete grudado na sola do meu sapato
Essa gente grudada na sola do meu sapato.

Essa gente mesquinha,
Essa gente apressada,
Que corre de carro,
Pra poder chegar em casa,
Brigar com a mulher,
Bater nas crianças,
E olhar pra TV.

Sábia gente!

Não que eu seja muito diferente,
Mas também não que eu não pretenda ser.
Entende?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Migrei

Migrei pros sons.
Porque as palavras se repetem demais.
É "amor" pra cá, "dor" pra lá,
E a rima é tão difícil,
Que já me permito falar nas dores que não sinto,
Pra mencionar os amores que deveria sentir.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

incesto

De volta aos passinhos iniciais,
Somos bebês de mãos dadas;
Tropeço em meus pés desajeitados
E seguro em tua mão macia

Irmãos de diferentes pais,
Siameses de almas grudadas,
Gêmeos mal-datados;
Cada um nascido num dia.

Recomeços não são iguais,
E pode até não dar em nada;
Mas esses dias passados
Foram como eu previa.

Não sei como seria
Se não fôssemos namorados;
Se a vida, bem humorada,
Tivesse nos dado laços,
De fato,
Fraternais.

menina

E se nos olhares, nos favores e nas conversas sobre amor,
Eu te dei menos do que querias,
Não é porque te amo de menos
- é porque queres demais.

Se já tenho alguém a quem dedicar canções, lágrimas ou páginas,
Não é justo que reclames,
E que cantes, chores e escrevas
Que não escrevo, choro ou canto por ti.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Impensável e o Ivo

À meia-noite, chegava eu ao local combinado.
Duas quadras ao sul, a contar a partir da escola onde tínhamos nos conhecido.
A noite, de uma escuridão densa, não fazia caso da luz dos postes da cidade. Eram meros borrões, ofuscando a visão mais que iluminando. Não me lembro bem se fazia frio ou muito frio, mas eu estava de gorro e de luvas. Calças grossas, uma bota para a chuva, uma mochila pesada com algumas camisetas, um par de calças e muitas páginas em branco. Uma caneta, que eu esperava durasse a viagem toda. Uma câmera fotográfica, mas nenhum filme.

Enxergava enfim o ônibus, estacionado do lado direito da rua, como um cachorro malcriado amarrado a um poste. As luzes dentro dele me lembravam dos navios pesqueiros dos filmes de criança; eram de um amarelo enjoativo, mas que despertava uma nostalgia-do-não-vivido. Sinto isso com frequência. Ou, diabo, o tempo todo. É como viver imerso em memórias das quais vou lembrando à medida que (re)vivo cada uma delas. Déjà vu. Mas isso é outra história.

Caio esperava na porta do ônibus, olhando impaciente para o relógio de pulso. Batia o pé direito no ritmo dos segundos, em melodia com o tempo. Era-lhe tão precioso o tempo; sempre havia sido. Viu-me aproximando, mirou-me de soslaio, sem levantar a cabeça da direção das horas:
- Meia-noite e um minuto, M. Esse ônibus era pra ter partido ontem.
Apurei o passo, tirei a mochila do ombro e joguei-a no fundo do bagageiro, que já estava aberto. Passei por ele e me encaminhava em trote para as escadas do coletivo:
- Mas és o primeiro a chegar - disse meu amigo.

Desfiz meu caminho e parei junto a Caio, ao lado do bagageiro do ônibus. Encostei as costas e a sola de um dos pés no ônibus e tentei relaxar.
Tirei um cigarro do bolso. Caio me olhou, novamente sem mexer a cabeça. Balançou-a em reprovação. Ignorei-os.
Com alguma presunçosa habilidade, bloqueei o vento com as mãos e acendi o cigarro. Traguei uma vez, duas, três, e já fumava o filtro. Com um peteleco, fiz a guimba rodopiar e cair a uns três metros de nós dois:
- Que horas são? - perguntei.
Caio se manteve firme olhando para o relógio; a boca entreabriu-se: ele contava os segundos para dar a resposta mais acurada:
- ... Meia noite e três minutos! - disse de uma só vez, evitando que o ponteiro dos segundos chegasse ao primeiro tracinho depois do "12" antes de dada a informação.
Ri com meu nariz - aquela risada que todo o mundo detesta, mas nunca deixa de fazer.

Esperei alguns instantes, então perguntei:
- Quem mais vai?
- Acho que ninguém. Ivo, Sávio e Marco não podem sair da cidade por ordem judicial - sim, a freira denunciou. O Turco está acamado. Tosse, parece. O Pequeno disse que ia começar uma dieta de proteínas e que não era uma boa ideia ir junto. A Carmen tu conheces bem e sabe o porquê. A Paula disse que contigo ela não iria. E eu só estou aqui pra controlar o tempo, porque tenho que voltar pra avisar minha mãe a hora que começar a novela - respondeu monótono.
- Então talvez eu deva me apressar. Não quero me deixar esperando - falei sem sorriso.
- Boa viagem, senhor M. Sinto muito pela vez que roubei teu bonequinho favorito. Eu sei que ele era especial para ti, mas eu tinha nove anos e não percebi o mal que estava fazendo.
Caio secou uma lágrima, levantou a cabeça e olhou-me nos olhos. As lágrimas passaram a cair em profusão, e ele já não podia contê-las. Tirou do bolso do casaco meu boneco, dado como perdido há anos. Entregou-o em minhas mãos. Deu-me as costas em um giro ligeiro e desapareceu entre os postes e suas luzes difusas.

Subi os cinco degraus da escada do ônibus.
Dirigi-me para as poltronas dos passageiros. Sentei-me em uma logo na primeira fileira, onde fiquei analisando meu brinquedo favorito de infância. Era um super-herói, com uma longa capa e pequenos desenhos de raios ao longo do uniforme.
Curado de meus mais profundos traumas, saudei o motorista com um animado "Boa noite ou já é bom dia?". Ele estava sentado em seu lugar, iniciando o motor do ônibus e respondeu qualquer coisa ininteligível, quase um grunhido. Aparentando irritação, levantou a mão direita e apontou para uma placa logo acima do painel do veículo.
"Fale ao motorista somente o impensável"

Olhei para o bonequinho em minhas mãos e falei:
- Que liberdade é essa que é concedida?

E de repente o motorista era Caio, eu, minha mãe e todo o mundo. Porque todo mundo precisa, ou mais ainda, merece ouvir o impensável. Menos o Ivo, porque o Ivo é o Ivo.

nem nome tem isso mais

Hoje me despedi de você, pela última vez. Sem beijo no rosto, sem abraço; sequer um aperto de mãos. Um adeus sincero, de quem quer mesmo se despedir.
Virei de costas e segui meu caminho.
Andei dez passos e olhei para trás: você não estava vindo atrás de mim.

Que bom.

confessar

Me diz que sonhos estranhos tu tens à noite
Que eu te conto de quem eu mais tenho saudade.