segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ahhh les amis...

- E como tu achou que eu fosse reagir?
- Achei que tu ia entender. Ele é meu amigo desde antes de tu me conhecer.
- O que não quer dizer que ele não quer te pegar.
- Ah, vai te foder.
Ela vira de costas e entra no quarto, batendo a porta depois de entrar.

Sísifo

Talvez depois de tudo isso
Eu não tenha mudado uma gota,
Uma letra ou um centímetro.
Talvez 'inda seja o mesmo.
E vá repetir a mesma coisa,
Eternamente,
Como Sísifo e sua pedra...

Eu queria mesmo era morrer diferente
E se fosse amanhã,
Morrer não menos diferente.
[Morrer menos indiferente]

domingo, 28 de novembro de 2010

laranja

"nao sei direito.
só quis escrever sobre isso.
na verdade comecei diferente,
escrevendo sobre velejar
sem bem um objetivo visivel.
sem se preocupar,
o mar a me embalar sem promessas,
porém com a tranquilidade de estar indo no caminho imaginado.
[mesmo sem ter certeza]
aí escrevi e vi que minhas frases estavam meio soltas e apaguei tudo,
pra falar sobre se jogar no mar."

e aí ela se jogou!
porque escrever-sobre é fazer
- e disso ela já sabe.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

duzentos. dos entes. doentes.

Eu não sei o que fazer. Meus olhos estão quase totalmente fechados. Vejo imagens borradas passando por todos os lados, mas não consigo focar em nada. Balanço a cabeça, tentando lembrar como eu fazia para enxergar - longínquos cinco minutos atrás. Ao fundo, a voz dela enche meus ouvidos de um zumbido insuportável. Estou tonto.
Apoio-me no carro. Pelo menos isso me lembra que estou na garagem. Ajoelho-me, junto ao carro. Esse carro que eu odeio tanto, nessa ridícula cor azul-piscina. Achei que nunca ia deixar uma mulher escolher o carro que eu ia dirigir pro trabalho todo dia...

Meus olhos vão recuperando a capacidade de ver; meus ouvidos, a capacidade de ouvir; minha cabeça pára de girar, e eu consigo me pôr de pé de novo. Parada na minha frente, minha mulher, grávida. Aquela barriga enorme tinha sido nosso sonho por tanto tempo, mas agora ela era um estranho espaço entre nós dois: um buraco negro que sugava mais do que jamais seria capaz de devolver - o que, aliás, deveria acontecer nas próximas três semanas.
Sara me finta com os olhos molhados. Mas não há nada além de raiva por trás daquelas lágrimas. Ela me odeia. Porque eu descobri a verdade.
- Tu não tinha nada que ler meus e-mails - ela fala, entre os dentes.
- "Sara, meu amor. Não posso assumir o seu filho. Você sabe que eu tenho uma família pra cuidar e que o seu marido jamais aceitaria isso." Blablablá - releio o pedaço de papel meio amassado, meio molhado na minha mão - Sabe, tu deixou teu e-mail aberto. Não foi um grande trabalho de investigação abrir aquele com o assunto "RE: Urgente".
Tenho o cuidado de ser a pior pessoa possível com ela. Desgraçada, me enganou por oito meses com um filho que não era meu na sua barriga. Comendo a comida que eu compro. Andando no meu carro azul-piscina ridículo. Dormindo na minha cama. Com aquela barriga enorme que, de repente, não me desperta qualquer caridade ou bondade em mim.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. Agora me sinto calmo o bastante para resolver isso da forma mais adulta que eu poderia. Acho que posso deixá-la na casa, ir morar com a minha família por uns meses, até ela dar um jeito na vida...
- Sabe, isso é tudo culpa tua - ela fala, sem mexer um músculo, me olhando com raiva. Dado o meu silêncio, ela continua - Tu nunca mais me deu flores; nunca mais me levou no cinema; nunca mais me beijou que nem antes.
- Antes do quê? - eu pergunto, como quem fala com uma criança de seis anos.
- Tu não me ama mais! E eu vejo o jeito que tu olha pra Belinha!
Belinha é minha sobrinha de 13 anos. Isso não pode ser sério.
- Tu é louca de falar isso?! - começo a me sentir tonto de novo. E brabo. Muito brabo.
- Tu é um cachorro. Tu fica babando em cima dessas guriazinhas, tu é um nojento! Tu praticamente me empurrou pro César! Tu não pode me culpar por isso - ela fala, apontando pra barriga dela, pro meu filho. Digo, filho da puta.
- CALA A BOCA - eu grito, dentes cerrados.
- Isso é culpa tua, é culpa tua! Tu é o pior marido dessa merda de mundo! E seria o pior pai do mundo! Graças a Deus tinha outro idiota pra tomar o teu lugar!
Olho para os lados. À minha esquerda, aquela merda de carro, à minha direita, penduradas, as ferramentas da casa. Uma pá, uma cortadeira, um machado e uma enxada.
- Sara. Cala a boca. Tu sabe que meus pais tão lá em cima, na cozinha. A gente resolve essa situação de merda outra hora.
- Pois eles que ouçam! Bando de hipócrita! Que ouçam que o filhinho deles é um filho da puta, que a nora deles é uma vadia e que essa merda toda tá prestes a aca...
Num movimento só, tomo o machado e acerto a cabeça da minha esposa, silenciando definitivamente aquele bueiro. Um tímido esguicho de sangue pinta a parede.
- Porra, que saco - digo, não sei bem por quê, em voz alta.
O machado cai com estrépido no chão. O sangue, que primeiro corre lentamente, começa a empoçar depressa. Meu carro agora tem uma mancha enorme de sangue na janela. Bem em cima do (prematuro) adesivo de "Luquinhas a bordo". Ela continua lá, deitada, com aquela cara boba, os olhos abertos, vidrados, aterrorizados.
Finto-me no espelhinho lateral do carro. Minha camisa continua limpa. Claro, a velha mancha de água sanitária permanece. Porra, será que nem pra lavar a roupa ela servia direito?

Subo as escadas de dois em dois degraus, para encontrar meus pais na cozinha, dizer que Sara saiu com o carro para visitar a irmã dela e que "aquele barulho... Que barulho? Ah, não foi nada". Minha mãe me oferece e então me serve uma xícara daquele belíssimo chá de romã...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

chacun chacun...

- É, então, acho que não chega a ser um problema, não foi nada sério mesmo... - ela disse, tentando acreditar em cada palavra que dizia.
Ele engoliu em seco. Virou para o lado oposto, evitando os olhos dela:
- É, suponho que não. Acho que vai ser tranquilo mesmo... E eu entendo que tu tenha decidido as coisas assim. Não gosto, mas entendo.
Ela balançou a cabeça, um pouco em concordância, mas mais em agradecimento por ele fingir que entendia.

Passaram segundos, talvez minutos - mas na cabeça dos dois foram horas em silêncio. Por fim, ele olhou para o relógio, fez cara de "mas já?!" e disse em um tom conciliador:
- Olha, desculpa, eu tô realmente atrasado...
- Não, eu entendo, eu entendo. Vai lá.

Ele deu um beijinho desajeitado na bochecha dela e saiu marchando, pensando em um milhão de coisas que poderia ter dito para fazê-la mudar de idéia. Não sabia bem o que acontecera entre eles, não sabia bem o que aconteceria de agora em diante e não sabia nem para o que fingia estar atrasado afinal...
Ela ficou ali parada mais alguns instantes; secou com a manga da blusa um dos olhos que insistia em lacrimejar, jogou a mochila por cima do ombro direito e saiu caminhando no sentido contrário. Pensava no que ele havia significado para ela, e no que ela acabara de impedir que ele significasse. Resignou-se a não se arrepender.

E assim seguiram em direções opostas, sem sequer saber o que foram, o que perderam e o que poderiam ter sido.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A solidão depois de te ver
E ficar sozinho
É mais solitária
- é eco.

domingo, 21 de novembro de 2010

as minhas butterflies

Escrever é como produzir vida. Ato mais que meramente concepcional. Ato de dar à luz.

Entendo criar idéias como criar lagartas (e como são feias de se olhar).
Tecer frases na cabeça como cultivar casulos (dentro de casulos).
Escrever como libertar minhas borboletas.
Ter minhas palavras lidas faz-me como um criador orgulhoso de sua criação...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Por doer, per doa

O celular vibra sobre a mesa, causando um estardalhaço e tirando o garoto de seu quase-coma, estado que tem sido comum a ele nas últimas semanas.
Ele pega o aparelho, que agora canta, desafinado, uma música estridente. Na tela, o nome dela brilha, pisca e dança para ele. Ele joga o telefone na cama, abafando o som da música com o edredom. O celular pára de tocar.
Segue lendo seu livro, volume grosso, empoeirado e carcomido de "Como vender qualquer coisa a qualquer um", a última leitura inédita de seu quarto - agradece a si mesmo por ter comprado um livro tão grande e aleatoriamente interessante, e que lhe serve tão bem agora...
O celular volta a tocar. O garoto urra de raiva. Em dois passos, chega até a cama. Puxa violentamente o edredom e o lençol, derrubando o telefone no chão. O nome dela ainda grita na tela, desesperado por ser atendido. Ele toma o celular na mão. Olha para o aparelho, para o livro, para si. Olha para o telefone de novo. Atende. A voz dela grita, desesperadamente rápido:
- Me desculpa!
Com meio sorriso no rosto, ele responde:
- Te pego aí em 20 minutos. Jantar no mexicano! - ele fala com um risinho abafado; complementa - e não esquece teu bigode!
Desliga o celular, enfia os pés em seus tênis; os fones em seus ouvidos; as mãos em seus bolsos - e sai batendo a porta, marchando ligeiro.

ioiô

Cumprimentam-se distraidamente com um singelo beijo. Sentam-se no mesmo banco, separados por suas mochilas. Um silêncio abafado (que combina com o dia tão quente) pesa sobre eles. Olham-se timidamente, sem muita coragem de começar o assunto que se propuseram debater:
- Acho que a gente tem que ir mais devagar - ela fala de súbito, incomodando-se com quão aguda sua voz soa quando fala de repente.
Ele a finta de soslaio, encorajando-a a falar mais; de preferência, sobre qualquer outro assunto...
- Sabe, eu ainda não me recuperei do meu último namoro. Tipo, tudo que aconteceu, a história do ano-novo... - aqui ele a censura com um olhar feio - mas, ah, tu já sabe disso tudo...
- Quase dois anos - ele fala, entre os dentes.
- Eu sei, eu sei! Mas eu não posso simplesmente excluir isso da minha cabeça! - ela faz um sinal de quem aperta uma tecla "delete" na própria testa.
- Também não adianta ficar relembrando isso toda hora! Tu não anda pra frente!
- Tu me assusta assim; parece o Bê falando...
Ele levanta, irritado. Sai marchando pesado, chutando os pombos e causando indignação das crianças, mães e babás que, alheios às perturbações do casal, jogavam pipocas para os pássaros...

transcender

Trampolim, trampolim
Trampolim, trampolim
É um meio de transporte
[deveras curto]
Pra cima, pra baixo
Pra cima, pra baixo
Pra cima e lá pra baixo...
Já pensou que engraçado
Alguém ter um trampolim
E não ter uma piscina?
(não vou nem fingir
que falo de piscinas)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

filho da praia!

O sol, no alto, fustiga todos aqueles corpos seminus, que brilham em uma mistura de suor, protetor solar, bronzeador e respingos de picolé de uva. A praia, o mais democrático dos locais de lazer, está abarrotada de gente. Gente de todos os tipos, idades, credos, classes sociais e (para o desespero dela) manequins.

Estão sentados os dois, lado a lado, de frente para o mar. As velhas cadeiras de praia que ela trouxera serviam bem a sua função. Ela usa o biquíni que compraram juntos horas antes de entrar no ônibus e iniciar a viagem. Acha-se feia, gorda, desproporcional, e tudo aquilo que garotas-que-pensam-demais se acham quando usam biquínis...
Ele, obviamente, gastou metade do tempo da viagem tentando convencê-la de que ela ficava bonita com o biquíni e que, mesmo que não ficasse, ele continuaria gostando dela do mesmo jeito; ao que ela respondeu que, por ele ter dito isso, ela devia mesmo ficar uma baleia - ele se arrependeu de ter dito aquilo e gastou a outra metade da viagem tentando demovê-la da idéia de ir de bermuda à praia.

Agora ela olha de canto de olho para ele. Estão ambos de óculos escuros, impossibilitando saber quem está olhando para onde. No entanto, ele está com o rosto virado para o lado direito (o lado contrário ao dela). Na direção que o rosto dele aponta, a uns 10 metros, encontram-se duas amigas que conversam alegremente, gesticulando bastante, fazendo balançar o conteúdo de suas minúsculas roupas de banho. Ela observa o rosto dele, ridículo, olhando para as garotas, seus seios e suas bundas exageradas, expostas como dois pedaços supervalorizados de carne. Ele simplesmente não mexe o rosto, fica ali, impassível, assistindo àquele festival de "óbvio que é silicone" e "filha do dono da academia" - porque foi assim que ela batizou as duas meninas.

A garota decide esquecer do assunto por alguns instantes, puxando uma cruzadinha, uma caneta BIC e um caderno de capa dura, para usar como suporte. Responde furiosamente aos espaços-em-branco da revista, furando-a em alguns pontos, dada a truculência com que utilizava a caneta. Preenche em alguns minutos duas, três, quatro páginas dos exercícios. Cansa-se, tira os óculos do rosto por um momento. Toma um gole da garrafa de água que está à sua esquerda. Inclina-se, então, um pouco para a frente, e torna a olhar para ele. Não acredita no que vê; ele ainda está olhando para as duas meninas! E adicionou um toque nojento à sua feição: está agora com a boca aberta, como um cachorro na frente de uma churrasqueira...
Indignada, ela se levanta, pára na frente dele, com as mãos na cintura:
- Escuta aqui! Eu até entendo tu dar uma olhadinha, mas agora já chega!
Ele segue impassível, ainda inclinado para a direita, a boca ainda entreaberta:
- E olha pra mim quando eu falo contigo! - ela brada, já visivelmente nervosa.
Mais uma vez, ele não dá qualquer atenção a ela.
- Olha pra mim! - ela grita, arrancando os óculos do rosto dele. Ao tirar os óculos, vê os olhos dele, fechados, contraindo-se contra a luz do sol, que agora incide diretamente.
Percebendo que o tempo todo ele dormira, ela repõe rapidamente os óculos na face do namorado, voltando na ponta dos pés ao seu lugar, agradecendo pela sorte de não o ter acordado.

Naquela noite, ele não entendia a insistência dela em cuidar da janta e da louça sozinha. E com aquele sorriso...

domingo, 14 de novembro de 2010

retorno

Retorno implica reassumir posse.

Eu sou dono do meu território, das minhas práticas e costumes - e estar longe deles é ser um pouco menos eu mesmo.
Sou dono das pessoas que, ao meu redor, moram, vivem, trabalham, brincam, correm, jogam... Voltar pra casa é voltar a tê-las para mim.

Que sentimento egoísta e possessivo esse que nos impele a sempre voltar ao nosso lugar de segurança. Porque é isso que a posse finge nos prover: segurança.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Um almoço

- Se eu te escrevesse um texto, como tu iria querer que fosse? - ele estava sentado na frente dela. Era um restaurante com um buffet simples-mas-eficiente, onde costumavam almoçar às segundas-feiras.
De boca cheia, ela pensou um pouco e respondeu:
- Eu ia querer que fosse uma conversa nossa, sabe? Que fosse um momento cotidiano, solto, despretensioso. Aliás, acho que "despretensioso" é simplesmente o nosso adjetivo, sabe? - ela seguia em seu devaneio, balançando o garfo, espalhando arroz pela mesa; ao dar-se conta, silenciou e deu um risinho abafado, voltando a se inclinar sobre a comida.
Ele tinha a cabeça baixa, as mãos embaixo da mesa, fitando-a com a parte de cima dos olhos. Sorria simpático, quase tolamente.
Passaram-se alguns minutos (ele serviu-se novamente; ela não foi, mas pediu para ele trazer um bolinho de arroz, o qual ele "sutilmente" arremessou a três metros de distância do prato dela, arrancando um suspiro impaciente da garota, mas aplausos de um menininho da mesa ao lado) antes que ele sentasse novamente na frente dela, e reintroduzisse o assunto, novamente com as mão embaixo da mesa:
- Eu teria que escrever do nosso jeito, com as nossas palavras, sobre os nossos assuntos, mesmo que isso aniquilasse qualquer potência literária que eu porventura pudesse conter? - ele perguntou, salientando o "porventura": gostava de usar palavras sóbrias em momentos descontraídos.
Ela riu baixinho por um instante, engoliu seu bolinho de arroz, mexeu compulsivamente em uma mecha de cabelo... Respondeu enfim:
- É, pra ser fiel, tu teria que abrir mão disso sim.
- Então, tu prefere um - aqui ela aproveitou a distração dele em falar e roubou do seu prato outro bolinho de arroz - retrato real, em preto e branco, do que um filme colorido, de mentira?
Ela engasgou com a soma do bolinho e da frase, tossiu diversas vezes. Ele levantou, postou-se atrás dela, abraçou-a e apertou-lhe a boca do estômago duas vezes. Ela se recuperou lentamente. Virou-se para trás, e disse embasbacada:
- Eu e tu, em preto e branco?!

Ele então correu para o outro lado da mesa (o seu lado), escreveu a última frase dela em um pedaço de papel já praticamente todo escrito. O diálogo inteiro estava ali, além de algumas anotações dele, como narrador.
Estendeu o papel para ela e disse:
- Toma. O nosso almoço.

extrato

It's kinda strange the way you change; but then again we all do too...

Eu que nunca fui muito certo das idéias,
Me pego em devaneios infinitos;
Me pego discutindo deuses e mitos
Com a minha mente tão atéia.

Brigo comigo,
Sobre idéias contidas
Que não são nem minhas:
Foi um bom amigo/inimigo,
Que, nas minhas feridas,
Plantou ervas daninhas.

Penso para mim
Que sou em mim mesmo
O meu fim
Pra depois pensar de novo
E me achar, talvez,
Um pouco menos ovo;
Um pouco menos oco,
Mas não tão maciço
Que faça uma diferença.
Não chega a ser pretensão
Nem falta de visão.
O que eu quero é isso,
Não chega a ser doença
Querer existir.
- coexistir.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

sobre esperar

Esperar não é parar. Esperar não é não fazer nada.
Esperar, do jeito certo, é procurar sinais de aproximação.

sábado, 6 de novembro de 2010

Belchior - Antes do Fim

Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo,
que eu não sou perigoso:
- Viver é que é o grande perigo!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Se foi tudo uma mentira
Eu quero mais é voltar
Me enganar
E continuar mentindo

não

A luz do sol espalhava-se, mesmo não convidada, por toda a extensão do gramado; aquecia os corpos estendidos por ali, que conversavam, tocavam músicas, abraçavam-se. Eles, especificamente, se abraçavam, deitados na grama, escorados em uma palmeira que se estendia até muito alto - "alto demais", eles divagaram. Respiravam perto um do outro. Trocavam algumas palavras, conversando naquele ritmo tão próprio de suas tardes juntos. O brilho do dia refletia no cabelo dela, tingindo a cidade inteira de um preguiçoso e desbotado colorido.
Ele se enchia de uma espécie de orgulho bobo, mesclado com uma despretensiosa alegria, ao sentir o peso da cabeça dela no seu ombro. Sorria com o canto da boca.
Ela, com sua cabeça deitada sobre o ombro dele, pensava em algo que nunca saberei dizer o que era. Exibia em alguns momentos uma certa sobriedade, uma seriedade - tremendamente inapropriada para o momento. O garoto fingia não reparar.

Ela mexeu sua cabeça para perto do coração dele, e ficou ali, aparentemente ouvindo o ritmo dele.
- Tum... Tum... Tum... Tum... Até teu coração é preguiçoso, rapaz!
Ele abriu um sorriso meio canino, mostrando seus dentes pontiagudos. Encostou sua cabeça no peito dela e pôs-se a ouvir seu coração.
- Nossa, que que tu tem? Nervosa com algo?
Não obteve resposta que não fosse uma sacudidela impaciente de cabelo, como que para afastar o eco da pergunta.
- Tipo... Ok. Assim. - ela gesticulava muito com as mãos, o que o divertiu momentaneamente. Ela olhou feio para o sorriso dele, e ele o escondeu novamente - Eu não tô gostando do rumo das coisas, sabe? - ela agora gesticulava excitada, mexendo muito as mãos e a cabeça - A gente sai, se vê, coisa e tal, mas sei lá, falta alguma coisa. Não é nada contigo, eu é que não sei bem o que eu quero. Sabe? Eu quero uma coisa, e daí eu quero outra, e daí eu quero as duas, e daí eu não quero nenhuma; aí de novo as duas e com cobertura de kiwi - ele não riu da piada.
Ela agora olhava para ele com olhos de súplica, implorando que ele não quisesse mais detalhes de algo que ela não sabia nem explicar para si mesma.
O garoto não entendia. Mas sabia que era obrigado a entender. Calado, levantou-se, pegou sua mochila do chão, deu uma batida nela para tirar os pedaços de grama, jogou-a aos ombros e saiu caminhando, meio trôpego. Fez menção de olhar para trás uma vez. Mas nunca olhou.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

as butterflies de lennon

- Não me solta!
- Eu não vou soltar.

(ele estava apenas segurando ela no colo, fingindo que ia jogá-la na piscina; mas que metáfora bonita que poderia ter sido, não?)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

manifesto pró-internação

Acima de tudo, eu sou um cara egoísta, que tenta a todos custos gostar de si mesmo, não importando quão difícil o mundo (sim, vocês, o mundo!) tenha tornado essa tarefa.

Abaixo desse egoísmo e dessa busca, estão meu repertório de palavras, expressões, gestos, trejeitos, idéias, ideais, sentimentos, gostos... Abaixo de mim, está tudo que acoplaram em mim.

Beatles é o que houve de melhor nesse mundo, e se tu não gosta de me ouvir cantando, recomendo fortemente não escutar nenhuma música deles perto de mim.
Eu acho a Mallu Magalhães uma fofa, que canta tri e tem um estilo no máximo quase-próprio, mas inédito no brasil. Ponto pra ela. Ela é autista, retardada, blablablá, é sim. Mas metade da raiva das pessoas por ela pegar o Camelo é porque eles que queriam pegá-lo.
A Zooey Deschanel não é linda, nem ótima atriz, nem ótima cantora, nem nada original. E 500 Dias com Ela não é nada mais que bonzinho. Discorde à vontade.

E se tu acha que todos esses filmes de Hollywood são um lixo de arte, comunicação ou sei-lá-o-quê, ponto pra ti, intelectualóide. Agora, PAREM com essa mania irritante de criticar tudo que é popular, pelo simples fato de quererem ser diferentes, ou de "odiar o senso comum". Vocês não são superiores ou sei lá que banana pensam que se tornam rindo falando mal do que os outros gostam. Se tu acha o filme um lixo, beleza, mas não ache ele um lixo só porque todo mundo acha bom - isso é pior do que achar bom só porque todo mundo acha bom.
Puta mania imbecil de querer estar por cima do povão. Te liga, tu é o povão!

O que VOCÊ já fez, de graça, pra ajudar alguém que nunca tivesse visto antes? Será que tu consegue ao menos ser simpático com o cobrador do ônibus numa quinta-feira de manhã? Ou será que tu só enche a boca pra falar do social em uma aulinha, com a professorinha anotando cuidadosamente quem são os alunos esquerdóides e quem são os reaças. Aliás, nem me faça falar dos esquerdóides e dos reaças. NÃO POLARIZEM!

Que merda, eu queria ser grande e grandioso. Mas só o que eu sei é chorar um pouco mais alto.
Eu tenho problemas na minha cabeça, que eu não sei resolver. Isso me torna um doente mental?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A jAnelA

A janela da saída de incêndio bate na minha cabeça e ecoa em um estrondo metálico - eu sempre tive a cabeça meio oca. Ela grita "que merda, vai logo!". Eu fecho a janela e começo a descer um lance de escadas, enquanto tento colocar minha calça do lado certo. Escuto a voz dele entrando, e é como todas as outras vezes... Ele repete "cadê o desgraçado?! Cadê ele?! Eu mato o desgraçado!", com pequenas alterações na estrutura das frases. Eu adoro ouvir isso.
Não vou mais descer. Subo de volta e me coloco um andar acima do apartamento deles, deitado no chão da escada, com a cabeça pendendo, ouvindo cada detalhe da briga que se desenrola logo abaixo ("me ligaram pro escritório, me contaram TUDO! Acabou, acabou!"). Abro um sorriso. Acho que finalmente ele vai mandar ela embora. Ou vai ele mesmo embora. Aí talvez ela fique comigo, de forma mais... regular. Talvez eu até possa apresentar ela pros meu pais, quem sabe?
De repente, ele mete a cabeça pela janela de incêndio e olha para cima e para baixo. Por sorte, tenho tempo de esconder minha cabeçorra e impedir o desastre.
O cara, satisfeito de olhar pela janela, retorna à ladainha ("quem é ele?! Onde que ele tá?"). Eu me pergunto o que diabos estou fazendo ali, sem calça, tremendo de frio, ouvindo aquela discussão. Um sopro de vento gelado apressa minhas conclusões e me põe de pé.
Preparo-me para descer, calculando se aquela escada de incêndio era mais velha que a minha vó, ou que a vó da minha vó.
Um voz, tão gélida quanto o vento daquela noite, me tira dos meus devaneios. "Tu é o novo pega dela, é?" pergunta a moça do apartamento logo acima do casal - o qual persiste na briga. É a venusiana mais linda que já vi. Tem cabelos negros, mas vivos, que lhe escondem um pouco do rosto - mas só o bastante para despertar a curiosidade. O rosto pálido, algumas marcas na pele, um certo ar de mistério, um toque de indefinível e irresistível doença cobre aquele rosto, aqueles olhos... Olhos que miravam o lugar logo abaixo de onde deveria estar meu cinto. Enrubesço, ao que me vejo sem resposta, sem calça e sem qualquer motivo para estar ali. "É, pode-se dizer que sim...". Maldita resposta estúpida. "Ela está melhorando, então. Quer entrar?" ela pisca charmosamente um daqueles enormes olhos.
Entro na casa da moça, fazendo uma demorada e inexplicável reverência ao pular sua janela de incêndio e pisar, com minhas meias sociais cinzas, em seu chão quadriculado. Um quadrado preto, um quadrado branco - como os que habitavam meus bobos sonhos da "minha casa".

"Tu quer uma cerveja?", ela pergunta com a naturalidade de quem recolhe caras da janela de incêndio seguidamente. "Acho que eu prefiro uma água". Ela vai até a geladeira e pega uma lata de cerveja. E é nesse momento que eu me apaixono.

O silêncio pesa absurdamente. É compreensível, dadas as circunstâncias, mas pesa como uma bigorna. Com a delicadeza de uma martelada no dedo, ela quebra o silêncio "olha, meu marido chega às sete; tu não quer conhecer o quarto?".

Pontualmente às sete horas, a porta da frente bate e eu, em um déjà vu assombroso, pulo janela afora, com a calça, a camisa e o cinto nas mãos. Fico agachado, observando o casal por alguns instantes. "Meu amor! E aí, como foi o teu dia?". Droga. Ele é um bom marido. Odeio bons maridos. Por que ele não pode chegar em casa pisando forte e xingando a mulher pelo congestionamento? Seria tão mais fácil pra mim.

Mais um déjà vu: escuto um assobio que vem de um andar acima. Viro a cabeça para cima: lá está a venusiana mais linda na qual já pousei os olhos. Os cabelos loiros ondulados tremulam com o vento, convidando-me para dentro de seu apartamento. Corro escada acima, fazendo um estardalhaço. Dos dois andares abaixo, brotam duas cabeças masculinas que me fitam desconfiadas. Ao verem a loira da cobertura, em cuja casa já vou entrando, retornam suas confusas cabeças para dentro de seus lares...

(criado em 18/01/2010
reciclado em 02/11/2010)