sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Um almoço

- Se eu te escrevesse um texto, como tu iria querer que fosse? - ele estava sentado na frente dela. Era um restaurante com um buffet simples-mas-eficiente, onde costumavam almoçar às segundas-feiras.
De boca cheia, ela pensou um pouco e respondeu:
- Eu ia querer que fosse uma conversa nossa, sabe? Que fosse um momento cotidiano, solto, despretensioso. Aliás, acho que "despretensioso" é simplesmente o nosso adjetivo, sabe? - ela seguia em seu devaneio, balançando o garfo, espalhando arroz pela mesa; ao dar-se conta, silenciou e deu um risinho abafado, voltando a se inclinar sobre a comida.
Ele tinha a cabeça baixa, as mãos embaixo da mesa, fitando-a com a parte de cima dos olhos. Sorria simpático, quase tolamente.
Passaram-se alguns minutos (ele serviu-se novamente; ela não foi, mas pediu para ele trazer um bolinho de arroz, o qual ele "sutilmente" arremessou a três metros de distância do prato dela, arrancando um suspiro impaciente da garota, mas aplausos de um menininho da mesa ao lado) antes que ele sentasse novamente na frente dela, e reintroduzisse o assunto, novamente com as mão embaixo da mesa:
- Eu teria que escrever do nosso jeito, com as nossas palavras, sobre os nossos assuntos, mesmo que isso aniquilasse qualquer potência literária que eu porventura pudesse conter? - ele perguntou, salientando o "porventura": gostava de usar palavras sóbrias em momentos descontraídos.
Ela riu baixinho por um instante, engoliu seu bolinho de arroz, mexeu compulsivamente em uma mecha de cabelo... Respondeu enfim:
- É, pra ser fiel, tu teria que abrir mão disso sim.
- Então, tu prefere um - aqui ela aproveitou a distração dele em falar e roubou do seu prato outro bolinho de arroz - retrato real, em preto e branco, do que um filme colorido, de mentira?
Ela engasgou com a soma do bolinho e da frase, tossiu diversas vezes. Ele levantou, postou-se atrás dela, abraçou-a e apertou-lhe a boca do estômago duas vezes. Ela se recuperou lentamente. Virou-se para trás, e disse embasbacada:
- Eu e tu, em preto e branco?!

Ele então correu para o outro lado da mesa (o seu lado), escreveu a última frase dela em um pedaço de papel já praticamente todo escrito. O diálogo inteiro estava ali, além de algumas anotações dele, como narrador.
Estendeu o papel para ela e disse:
- Toma. O nosso almoço.

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