terça-feira, 16 de novembro de 2010

filho da praia!

O sol, no alto, fustiga todos aqueles corpos seminus, que brilham em uma mistura de suor, protetor solar, bronzeador e respingos de picolé de uva. A praia, o mais democrático dos locais de lazer, está abarrotada de gente. Gente de todos os tipos, idades, credos, classes sociais e (para o desespero dela) manequins.

Estão sentados os dois, lado a lado, de frente para o mar. As velhas cadeiras de praia que ela trouxera serviam bem a sua função. Ela usa o biquíni que compraram juntos horas antes de entrar no ônibus e iniciar a viagem. Acha-se feia, gorda, desproporcional, e tudo aquilo que garotas-que-pensam-demais se acham quando usam biquínis...
Ele, obviamente, gastou metade do tempo da viagem tentando convencê-la de que ela ficava bonita com o biquíni e que, mesmo que não ficasse, ele continuaria gostando dela do mesmo jeito; ao que ela respondeu que, por ele ter dito isso, ela devia mesmo ficar uma baleia - ele se arrependeu de ter dito aquilo e gastou a outra metade da viagem tentando demovê-la da idéia de ir de bermuda à praia.

Agora ela olha de canto de olho para ele. Estão ambos de óculos escuros, impossibilitando saber quem está olhando para onde. No entanto, ele está com o rosto virado para o lado direito (o lado contrário ao dela). Na direção que o rosto dele aponta, a uns 10 metros, encontram-se duas amigas que conversam alegremente, gesticulando bastante, fazendo balançar o conteúdo de suas minúsculas roupas de banho. Ela observa o rosto dele, ridículo, olhando para as garotas, seus seios e suas bundas exageradas, expostas como dois pedaços supervalorizados de carne. Ele simplesmente não mexe o rosto, fica ali, impassível, assistindo àquele festival de "óbvio que é silicone" e "filha do dono da academia" - porque foi assim que ela batizou as duas meninas.

A garota decide esquecer do assunto por alguns instantes, puxando uma cruzadinha, uma caneta BIC e um caderno de capa dura, para usar como suporte. Responde furiosamente aos espaços-em-branco da revista, furando-a em alguns pontos, dada a truculência com que utilizava a caneta. Preenche em alguns minutos duas, três, quatro páginas dos exercícios. Cansa-se, tira os óculos do rosto por um momento. Toma um gole da garrafa de água que está à sua esquerda. Inclina-se, então, um pouco para a frente, e torna a olhar para ele. Não acredita no que vê; ele ainda está olhando para as duas meninas! E adicionou um toque nojento à sua feição: está agora com a boca aberta, como um cachorro na frente de uma churrasqueira...
Indignada, ela se levanta, pára na frente dele, com as mãos na cintura:
- Escuta aqui! Eu até entendo tu dar uma olhadinha, mas agora já chega!
Ele segue impassível, ainda inclinado para a direita, a boca ainda entreaberta:
- E olha pra mim quando eu falo contigo! - ela brada, já visivelmente nervosa.
Mais uma vez, ele não dá qualquer atenção a ela.
- Olha pra mim! - ela grita, arrancando os óculos do rosto dele. Ao tirar os óculos, vê os olhos dele, fechados, contraindo-se contra a luz do sol, que agora incide diretamente.
Percebendo que o tempo todo ele dormira, ela repõe rapidamente os óculos na face do namorado, voltando na ponta dos pés ao seu lugar, agradecendo pela sorte de não o ter acordado.

Naquela noite, ele não entendia a insistência dela em cuidar da janta e da louça sozinha. E com aquele sorriso...

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