quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

E o fim.

Acabei de me descompletar.

Agora já me desfiz em forma de mim mesmo: em palavras mal-escritas, com letras tortas e frases sem sentido.
Posso mirar, com meus próprios olhos, eu mesmo, na minha frente, olhando para mim.

É talvez menos agoniante que seja menos agonizante; que seja uma escolha, não uma morte; que seja um ponto final, e não uma palavra não terminada...

Então.
Acabou. Ganhei. Perdi. Mas acabou.

circunstancial

E não é de uma sequência de acasos que se faz o maior milagre e a maior desgraça?

Afinal, o que na vida não é circunstancial?

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

mala

E na mala de coisas
Que eu trouxe da tua casa
Vieram tu e eu.

Vieram nós dois, vestidos de passado;
Um leve cheiro de mofado.
Quando olho para lá,
Não me sinto acordar:
Sinto recordar.
(não estou sonhando
- eu ainda ando)

Aromas, cores, sons;
Uma confusa sensação
Que fez seu sentido,
Mas que ficou perdido
Em algum outro malão...

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

perda

Eu o encorajo a tomar qualquer partido, a fazer qualquer movimento ou a criar qualquer coisa.
A parcimônia, o tédio e a tranquilidade não serão companheiros mais adequados que o serão as agitações e os movimentos de uma vida cheia de mudanças imprevisíveis.

A imprevisibilidade do mundo e a impossibilidade de controlar ele (e nós mesmos), aliás, é que tornam as coisas mais divertidas, desatrosas, geniais, milagrosas e potencialmente devastadoras. Não que todos esses adjetivos não digam a mesma coisa...

Se é pra ser - e eu tenho a pretensão de ser - eu quero ser desastroso e desastrado, genial e genioso, milagroso e miraculoso, potencialmente devastador e potencialmente devastado.
Tão simples
tão simples
tão simples
tão tão tão simples
.
não complique.

Visions of Johanna

"Louise she's all right
She's just near
She's delicate and seems like the mirror.
But she just makes it all too concise and too clear
That Johanna's not here"


Cada vez que vejo teus olhos castanhos
Não consigo não lembrar
Quão verdes eram os dela.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

eu tinha perdido mas achei

Eu gosto de vento no rosto
Mas o vento
Sempre bagunça meu cabelo.

Ainda assim, sempre que eu entro no ônibus, procuro um lugar que seja junto à janela, para ali fechar meus olhos e pensar. Ou não-pensar, deixar de ser.

Eu não entendo gente que fecha a janela, como se ficar com o cabelo bagunçado fosse ofender algum tipo de ordem social.

Eu gosto de vento no rosto
E o vento
Sempre bagunça meu cabelo.
Eu deixo ele bater
Rebater
Deixo mexer
Remexer
O meu cabelo.

Vem soprar o meu rosto?

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

compliquei

Mais de meia hora no telefone. Ela marchava pela sala, estendendo o cabo do telefone até quase soltar da tomada. Ela já está com dor de ouvido, por apertar o fone forte contra a cabeça: do outro lado da linha, ele fala muito baixo.
- E, sabe... depois que eu te conheci, eu penso em ti todos os dias. Sério, a minha vida mudou.
"Ah é? A minha continuou a mesma" ela pensou com frieza; disse apenas:
- Ah é? Mas sei lá, tu tem que continuar com a tua vida né... Tem que sair com pessoas legais e tal.
- Só que é tu que eu quero. Eu não quero mais ninguém agora; eu quero sair contigo!
Ela agora andava pela cozinha, enrolando o fio do telefone no dedo. Olhou para o forno. Sua pizza estava pronta (e esfriando) há uns bons quinze minutos, e ela ali, presa no telefone, ouvindo aquela ladainha.

(Ele era amigo do irmão mais velho dela. Conheceram-se por acaso, um dia, quando ele havia ido com "o pessoal" buscar o irmão - o Guto. Aliás, o Guto havia adorado quando descobrira que eles tinham ficado em uma festa, umas duas semanas depois. "Minha irmã e meu melhor amigo!" ele dissera para ela, na manhã seguinte à festa. Ela esperara uma reação furiosa, mas ele simplesmente sorriu tolamente por uns cinco segundos e abraçou-a... "Sabe, eu não casei com ele nem nada" ela falara. Ele simplesmente a olhou com carinho, ignorando o que quer que ela tivesse querido dizer. "Guto, eu..." mas ele a abraçou ainda mais forte, silenciando-a.)

- Alô? Tu ainda tá aí? Alô?
- Sim, sim, sim. Fala, pode falar - ela se distraíra por um momento, contando quantos ímãs de pizzarias diferentes tinha na geladeira... - quarta? Tá, quarta tá ótimo. É. Sim, sim, eu saio do cursinho às seis...
Desligou o telefone. Tirou sua pizza do forno. Colocou-a na mesa. Ainda estava cortando-a quando começou a pensar em uma boa doença para contrair até quarta-feira.

domingo, 5 de dezembro de 2010

primeira vez

Barrado da própria festa,
O menino ainda testa
A última camisinha que resta.

Era pra ser a primeira vez
Mas toda aquela nudez
Havia deixado-o tão tímido
E do tamanho do seu dedinho mínimo...

Agora ela veste o sutiã
"A gente tenta de novo amanhã"
Ela sai.
Se vai.
Ele fica sentado.
Pelado.

(E o mundo, só de gozação,
Dá-lhe, enfim, uma ereção)

sábado, 4 de dezembro de 2010

arte

Começa algo.
Assim, com o pincel ou a caneta na mão.
Com a flauta na boca, o pedal da guitarra no pé.
Com a fantasia, com a máscara, a maquiagem.
Com a máquina fotográfica, a filmadora ou a tela.
Na parede, no muro.
Começa algo em mim.
- opera tua arte em tudo que de ti se aproximar.
Quero que tu me agradeça por te poupar de todas as coisas ruins que eu tô pensando. Não que tu mereça.

pólo

Às vezes eu criaria um monte de dor
Só pra ter o prazer
De poder jogar em ti.

Às vezes eu criaria um país
Só pra não deixar
Entrar gente como tu.

Às vezes eu me escondo atrás de palavras-ações-gestos-e-olhares
Pra fingir que nada dói.
Mas tudo dói.
Tu me dói.
E não é só às vezes.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ahhh les amis...

- E como tu achou que eu fosse reagir?
- Achei que tu ia entender. Ele é meu amigo desde antes de tu me conhecer.
- O que não quer dizer que ele não quer te pegar.
- Ah, vai te foder.
Ela vira de costas e entra no quarto, batendo a porta depois de entrar.

Sísifo

Talvez depois de tudo isso
Eu não tenha mudado uma gota,
Uma letra ou um centímetro.
Talvez 'inda seja o mesmo.
E vá repetir a mesma coisa,
Eternamente,
Como Sísifo e sua pedra...

Eu queria mesmo era morrer diferente
E se fosse amanhã,
Morrer não menos diferente.
[Morrer menos indiferente]

domingo, 28 de novembro de 2010

laranja

"nao sei direito.
só quis escrever sobre isso.
na verdade comecei diferente,
escrevendo sobre velejar
sem bem um objetivo visivel.
sem se preocupar,
o mar a me embalar sem promessas,
porém com a tranquilidade de estar indo no caminho imaginado.
[mesmo sem ter certeza]
aí escrevi e vi que minhas frases estavam meio soltas e apaguei tudo,
pra falar sobre se jogar no mar."

e aí ela se jogou!
porque escrever-sobre é fazer
- e disso ela já sabe.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

duzentos. dos entes. doentes.

Eu não sei o que fazer. Meus olhos estão quase totalmente fechados. Vejo imagens borradas passando por todos os lados, mas não consigo focar em nada. Balanço a cabeça, tentando lembrar como eu fazia para enxergar - longínquos cinco minutos atrás. Ao fundo, a voz dela enche meus ouvidos de um zumbido insuportável. Estou tonto.
Apoio-me no carro. Pelo menos isso me lembra que estou na garagem. Ajoelho-me, junto ao carro. Esse carro que eu odeio tanto, nessa ridícula cor azul-piscina. Achei que nunca ia deixar uma mulher escolher o carro que eu ia dirigir pro trabalho todo dia...

Meus olhos vão recuperando a capacidade de ver; meus ouvidos, a capacidade de ouvir; minha cabeça pára de girar, e eu consigo me pôr de pé de novo. Parada na minha frente, minha mulher, grávida. Aquela barriga enorme tinha sido nosso sonho por tanto tempo, mas agora ela era um estranho espaço entre nós dois: um buraco negro que sugava mais do que jamais seria capaz de devolver - o que, aliás, deveria acontecer nas próximas três semanas.
Sara me finta com os olhos molhados. Mas não há nada além de raiva por trás daquelas lágrimas. Ela me odeia. Porque eu descobri a verdade.
- Tu não tinha nada que ler meus e-mails - ela fala, entre os dentes.
- "Sara, meu amor. Não posso assumir o seu filho. Você sabe que eu tenho uma família pra cuidar e que o seu marido jamais aceitaria isso." Blablablá - releio o pedaço de papel meio amassado, meio molhado na minha mão - Sabe, tu deixou teu e-mail aberto. Não foi um grande trabalho de investigação abrir aquele com o assunto "RE: Urgente".
Tenho o cuidado de ser a pior pessoa possível com ela. Desgraçada, me enganou por oito meses com um filho que não era meu na sua barriga. Comendo a comida que eu compro. Andando no meu carro azul-piscina ridículo. Dormindo na minha cama. Com aquela barriga enorme que, de repente, não me desperta qualquer caridade ou bondade em mim.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. Agora me sinto calmo o bastante para resolver isso da forma mais adulta que eu poderia. Acho que posso deixá-la na casa, ir morar com a minha família por uns meses, até ela dar um jeito na vida...
- Sabe, isso é tudo culpa tua - ela fala, sem mexer um músculo, me olhando com raiva. Dado o meu silêncio, ela continua - Tu nunca mais me deu flores; nunca mais me levou no cinema; nunca mais me beijou que nem antes.
- Antes do quê? - eu pergunto, como quem fala com uma criança de seis anos.
- Tu não me ama mais! E eu vejo o jeito que tu olha pra Belinha!
Belinha é minha sobrinha de 13 anos. Isso não pode ser sério.
- Tu é louca de falar isso?! - começo a me sentir tonto de novo. E brabo. Muito brabo.
- Tu é um cachorro. Tu fica babando em cima dessas guriazinhas, tu é um nojento! Tu praticamente me empurrou pro César! Tu não pode me culpar por isso - ela fala, apontando pra barriga dela, pro meu filho. Digo, filho da puta.
- CALA A BOCA - eu grito, dentes cerrados.
- Isso é culpa tua, é culpa tua! Tu é o pior marido dessa merda de mundo! E seria o pior pai do mundo! Graças a Deus tinha outro idiota pra tomar o teu lugar!
Olho para os lados. À minha esquerda, aquela merda de carro, à minha direita, penduradas, as ferramentas da casa. Uma pá, uma cortadeira, um machado e uma enxada.
- Sara. Cala a boca. Tu sabe que meus pais tão lá em cima, na cozinha. A gente resolve essa situação de merda outra hora.
- Pois eles que ouçam! Bando de hipócrita! Que ouçam que o filhinho deles é um filho da puta, que a nora deles é uma vadia e que essa merda toda tá prestes a aca...
Num movimento só, tomo o machado e acerto a cabeça da minha esposa, silenciando definitivamente aquele bueiro. Um tímido esguicho de sangue pinta a parede.
- Porra, que saco - digo, não sei bem por quê, em voz alta.
O machado cai com estrépido no chão. O sangue, que primeiro corre lentamente, começa a empoçar depressa. Meu carro agora tem uma mancha enorme de sangue na janela. Bem em cima do (prematuro) adesivo de "Luquinhas a bordo". Ela continua lá, deitada, com aquela cara boba, os olhos abertos, vidrados, aterrorizados.
Finto-me no espelhinho lateral do carro. Minha camisa continua limpa. Claro, a velha mancha de água sanitária permanece. Porra, será que nem pra lavar a roupa ela servia direito?

Subo as escadas de dois em dois degraus, para encontrar meus pais na cozinha, dizer que Sara saiu com o carro para visitar a irmã dela e que "aquele barulho... Que barulho? Ah, não foi nada". Minha mãe me oferece e então me serve uma xícara daquele belíssimo chá de romã...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

chacun chacun...

- É, então, acho que não chega a ser um problema, não foi nada sério mesmo... - ela disse, tentando acreditar em cada palavra que dizia.
Ele engoliu em seco. Virou para o lado oposto, evitando os olhos dela:
- É, suponho que não. Acho que vai ser tranquilo mesmo... E eu entendo que tu tenha decidido as coisas assim. Não gosto, mas entendo.
Ela balançou a cabeça, um pouco em concordância, mas mais em agradecimento por ele fingir que entendia.

Passaram segundos, talvez minutos - mas na cabeça dos dois foram horas em silêncio. Por fim, ele olhou para o relógio, fez cara de "mas já?!" e disse em um tom conciliador:
- Olha, desculpa, eu tô realmente atrasado...
- Não, eu entendo, eu entendo. Vai lá.

Ele deu um beijinho desajeitado na bochecha dela e saiu marchando, pensando em um milhão de coisas que poderia ter dito para fazê-la mudar de idéia. Não sabia bem o que acontecera entre eles, não sabia bem o que aconteceria de agora em diante e não sabia nem para o que fingia estar atrasado afinal...
Ela ficou ali parada mais alguns instantes; secou com a manga da blusa um dos olhos que insistia em lacrimejar, jogou a mochila por cima do ombro direito e saiu caminhando no sentido contrário. Pensava no que ele havia significado para ela, e no que ela acabara de impedir que ele significasse. Resignou-se a não se arrepender.

E assim seguiram em direções opostas, sem sequer saber o que foram, o que perderam e o que poderiam ter sido.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A solidão depois de te ver
E ficar sozinho
É mais solitária
- é eco.

domingo, 21 de novembro de 2010

as minhas butterflies

Escrever é como produzir vida. Ato mais que meramente concepcional. Ato de dar à luz.

Entendo criar idéias como criar lagartas (e como são feias de se olhar).
Tecer frases na cabeça como cultivar casulos (dentro de casulos).
Escrever como libertar minhas borboletas.
Ter minhas palavras lidas faz-me como um criador orgulhoso de sua criação...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Por doer, per doa

O celular vibra sobre a mesa, causando um estardalhaço e tirando o garoto de seu quase-coma, estado que tem sido comum a ele nas últimas semanas.
Ele pega o aparelho, que agora canta, desafinado, uma música estridente. Na tela, o nome dela brilha, pisca e dança para ele. Ele joga o telefone na cama, abafando o som da música com o edredom. O celular pára de tocar.
Segue lendo seu livro, volume grosso, empoeirado e carcomido de "Como vender qualquer coisa a qualquer um", a última leitura inédita de seu quarto - agradece a si mesmo por ter comprado um livro tão grande e aleatoriamente interessante, e que lhe serve tão bem agora...
O celular volta a tocar. O garoto urra de raiva. Em dois passos, chega até a cama. Puxa violentamente o edredom e o lençol, derrubando o telefone no chão. O nome dela ainda grita na tela, desesperado por ser atendido. Ele toma o celular na mão. Olha para o aparelho, para o livro, para si. Olha para o telefone de novo. Atende. A voz dela grita, desesperadamente rápido:
- Me desculpa!
Com meio sorriso no rosto, ele responde:
- Te pego aí em 20 minutos. Jantar no mexicano! - ele fala com um risinho abafado; complementa - e não esquece teu bigode!
Desliga o celular, enfia os pés em seus tênis; os fones em seus ouvidos; as mãos em seus bolsos - e sai batendo a porta, marchando ligeiro.

ioiô

Cumprimentam-se distraidamente com um singelo beijo. Sentam-se no mesmo banco, separados por suas mochilas. Um silêncio abafado (que combina com o dia tão quente) pesa sobre eles. Olham-se timidamente, sem muita coragem de começar o assunto que se propuseram debater:
- Acho que a gente tem que ir mais devagar - ela fala de súbito, incomodando-se com quão aguda sua voz soa quando fala de repente.
Ele a finta de soslaio, encorajando-a a falar mais; de preferência, sobre qualquer outro assunto...
- Sabe, eu ainda não me recuperei do meu último namoro. Tipo, tudo que aconteceu, a história do ano-novo... - aqui ele a censura com um olhar feio - mas, ah, tu já sabe disso tudo...
- Quase dois anos - ele fala, entre os dentes.
- Eu sei, eu sei! Mas eu não posso simplesmente excluir isso da minha cabeça! - ela faz um sinal de quem aperta uma tecla "delete" na própria testa.
- Também não adianta ficar relembrando isso toda hora! Tu não anda pra frente!
- Tu me assusta assim; parece o Bê falando...
Ele levanta, irritado. Sai marchando pesado, chutando os pombos e causando indignação das crianças, mães e babás que, alheios às perturbações do casal, jogavam pipocas para os pássaros...

transcender

Trampolim, trampolim
Trampolim, trampolim
É um meio de transporte
[deveras curto]
Pra cima, pra baixo
Pra cima, pra baixo
Pra cima e lá pra baixo...
Já pensou que engraçado
Alguém ter um trampolim
E não ter uma piscina?
(não vou nem fingir
que falo de piscinas)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

filho da praia!

O sol, no alto, fustiga todos aqueles corpos seminus, que brilham em uma mistura de suor, protetor solar, bronzeador e respingos de picolé de uva. A praia, o mais democrático dos locais de lazer, está abarrotada de gente. Gente de todos os tipos, idades, credos, classes sociais e (para o desespero dela) manequins.

Estão sentados os dois, lado a lado, de frente para o mar. As velhas cadeiras de praia que ela trouxera serviam bem a sua função. Ela usa o biquíni que compraram juntos horas antes de entrar no ônibus e iniciar a viagem. Acha-se feia, gorda, desproporcional, e tudo aquilo que garotas-que-pensam-demais se acham quando usam biquínis...
Ele, obviamente, gastou metade do tempo da viagem tentando convencê-la de que ela ficava bonita com o biquíni e que, mesmo que não ficasse, ele continuaria gostando dela do mesmo jeito; ao que ela respondeu que, por ele ter dito isso, ela devia mesmo ficar uma baleia - ele se arrependeu de ter dito aquilo e gastou a outra metade da viagem tentando demovê-la da idéia de ir de bermuda à praia.

Agora ela olha de canto de olho para ele. Estão ambos de óculos escuros, impossibilitando saber quem está olhando para onde. No entanto, ele está com o rosto virado para o lado direito (o lado contrário ao dela). Na direção que o rosto dele aponta, a uns 10 metros, encontram-se duas amigas que conversam alegremente, gesticulando bastante, fazendo balançar o conteúdo de suas minúsculas roupas de banho. Ela observa o rosto dele, ridículo, olhando para as garotas, seus seios e suas bundas exageradas, expostas como dois pedaços supervalorizados de carne. Ele simplesmente não mexe o rosto, fica ali, impassível, assistindo àquele festival de "óbvio que é silicone" e "filha do dono da academia" - porque foi assim que ela batizou as duas meninas.

A garota decide esquecer do assunto por alguns instantes, puxando uma cruzadinha, uma caneta BIC e um caderno de capa dura, para usar como suporte. Responde furiosamente aos espaços-em-branco da revista, furando-a em alguns pontos, dada a truculência com que utilizava a caneta. Preenche em alguns minutos duas, três, quatro páginas dos exercícios. Cansa-se, tira os óculos do rosto por um momento. Toma um gole da garrafa de água que está à sua esquerda. Inclina-se, então, um pouco para a frente, e torna a olhar para ele. Não acredita no que vê; ele ainda está olhando para as duas meninas! E adicionou um toque nojento à sua feição: está agora com a boca aberta, como um cachorro na frente de uma churrasqueira...
Indignada, ela se levanta, pára na frente dele, com as mãos na cintura:
- Escuta aqui! Eu até entendo tu dar uma olhadinha, mas agora já chega!
Ele segue impassível, ainda inclinado para a direita, a boca ainda entreaberta:
- E olha pra mim quando eu falo contigo! - ela brada, já visivelmente nervosa.
Mais uma vez, ele não dá qualquer atenção a ela.
- Olha pra mim! - ela grita, arrancando os óculos do rosto dele. Ao tirar os óculos, vê os olhos dele, fechados, contraindo-se contra a luz do sol, que agora incide diretamente.
Percebendo que o tempo todo ele dormira, ela repõe rapidamente os óculos na face do namorado, voltando na ponta dos pés ao seu lugar, agradecendo pela sorte de não o ter acordado.

Naquela noite, ele não entendia a insistência dela em cuidar da janta e da louça sozinha. E com aquele sorriso...

domingo, 14 de novembro de 2010

retorno

Retorno implica reassumir posse.

Eu sou dono do meu território, das minhas práticas e costumes - e estar longe deles é ser um pouco menos eu mesmo.
Sou dono das pessoas que, ao meu redor, moram, vivem, trabalham, brincam, correm, jogam... Voltar pra casa é voltar a tê-las para mim.

Que sentimento egoísta e possessivo esse que nos impele a sempre voltar ao nosso lugar de segurança. Porque é isso que a posse finge nos prover: segurança.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Um almoço

- Se eu te escrevesse um texto, como tu iria querer que fosse? - ele estava sentado na frente dela. Era um restaurante com um buffet simples-mas-eficiente, onde costumavam almoçar às segundas-feiras.
De boca cheia, ela pensou um pouco e respondeu:
- Eu ia querer que fosse uma conversa nossa, sabe? Que fosse um momento cotidiano, solto, despretensioso. Aliás, acho que "despretensioso" é simplesmente o nosso adjetivo, sabe? - ela seguia em seu devaneio, balançando o garfo, espalhando arroz pela mesa; ao dar-se conta, silenciou e deu um risinho abafado, voltando a se inclinar sobre a comida.
Ele tinha a cabeça baixa, as mãos embaixo da mesa, fitando-a com a parte de cima dos olhos. Sorria simpático, quase tolamente.
Passaram-se alguns minutos (ele serviu-se novamente; ela não foi, mas pediu para ele trazer um bolinho de arroz, o qual ele "sutilmente" arremessou a três metros de distância do prato dela, arrancando um suspiro impaciente da garota, mas aplausos de um menininho da mesa ao lado) antes que ele sentasse novamente na frente dela, e reintroduzisse o assunto, novamente com as mão embaixo da mesa:
- Eu teria que escrever do nosso jeito, com as nossas palavras, sobre os nossos assuntos, mesmo que isso aniquilasse qualquer potência literária que eu porventura pudesse conter? - ele perguntou, salientando o "porventura": gostava de usar palavras sóbrias em momentos descontraídos.
Ela riu baixinho por um instante, engoliu seu bolinho de arroz, mexeu compulsivamente em uma mecha de cabelo... Respondeu enfim:
- É, pra ser fiel, tu teria que abrir mão disso sim.
- Então, tu prefere um - aqui ela aproveitou a distração dele em falar e roubou do seu prato outro bolinho de arroz - retrato real, em preto e branco, do que um filme colorido, de mentira?
Ela engasgou com a soma do bolinho e da frase, tossiu diversas vezes. Ele levantou, postou-se atrás dela, abraçou-a e apertou-lhe a boca do estômago duas vezes. Ela se recuperou lentamente. Virou-se para trás, e disse embasbacada:
- Eu e tu, em preto e branco?!

Ele então correu para o outro lado da mesa (o seu lado), escreveu a última frase dela em um pedaço de papel já praticamente todo escrito. O diálogo inteiro estava ali, além de algumas anotações dele, como narrador.
Estendeu o papel para ela e disse:
- Toma. O nosso almoço.

extrato

It's kinda strange the way you change; but then again we all do too...

Eu que nunca fui muito certo das idéias,
Me pego em devaneios infinitos;
Me pego discutindo deuses e mitos
Com a minha mente tão atéia.

Brigo comigo,
Sobre idéias contidas
Que não são nem minhas:
Foi um bom amigo/inimigo,
Que, nas minhas feridas,
Plantou ervas daninhas.

Penso para mim
Que sou em mim mesmo
O meu fim
Pra depois pensar de novo
E me achar, talvez,
Um pouco menos ovo;
Um pouco menos oco,
Mas não tão maciço
Que faça uma diferença.
Não chega a ser pretensão
Nem falta de visão.
O que eu quero é isso,
Não chega a ser doença
Querer existir.
- coexistir.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

sobre esperar

Esperar não é parar. Esperar não é não fazer nada.
Esperar, do jeito certo, é procurar sinais de aproximação.

sábado, 6 de novembro de 2010

Belchior - Antes do Fim

Não tome cuidado.
Não tome cuidado comigo,
que eu não sou perigoso:
- Viver é que é o grande perigo!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Se foi tudo uma mentira
Eu quero mais é voltar
Me enganar
E continuar mentindo

não

A luz do sol espalhava-se, mesmo não convidada, por toda a extensão do gramado; aquecia os corpos estendidos por ali, que conversavam, tocavam músicas, abraçavam-se. Eles, especificamente, se abraçavam, deitados na grama, escorados em uma palmeira que se estendia até muito alto - "alto demais", eles divagaram. Respiravam perto um do outro. Trocavam algumas palavras, conversando naquele ritmo tão próprio de suas tardes juntos. O brilho do dia refletia no cabelo dela, tingindo a cidade inteira de um preguiçoso e desbotado colorido.
Ele se enchia de uma espécie de orgulho bobo, mesclado com uma despretensiosa alegria, ao sentir o peso da cabeça dela no seu ombro. Sorria com o canto da boca.
Ela, com sua cabeça deitada sobre o ombro dele, pensava em algo que nunca saberei dizer o que era. Exibia em alguns momentos uma certa sobriedade, uma seriedade - tremendamente inapropriada para o momento. O garoto fingia não reparar.

Ela mexeu sua cabeça para perto do coração dele, e ficou ali, aparentemente ouvindo o ritmo dele.
- Tum... Tum... Tum... Tum... Até teu coração é preguiçoso, rapaz!
Ele abriu um sorriso meio canino, mostrando seus dentes pontiagudos. Encostou sua cabeça no peito dela e pôs-se a ouvir seu coração.
- Nossa, que que tu tem? Nervosa com algo?
Não obteve resposta que não fosse uma sacudidela impaciente de cabelo, como que para afastar o eco da pergunta.
- Tipo... Ok. Assim. - ela gesticulava muito com as mãos, o que o divertiu momentaneamente. Ela olhou feio para o sorriso dele, e ele o escondeu novamente - Eu não tô gostando do rumo das coisas, sabe? - ela agora gesticulava excitada, mexendo muito as mãos e a cabeça - A gente sai, se vê, coisa e tal, mas sei lá, falta alguma coisa. Não é nada contigo, eu é que não sei bem o que eu quero. Sabe? Eu quero uma coisa, e daí eu quero outra, e daí eu quero as duas, e daí eu não quero nenhuma; aí de novo as duas e com cobertura de kiwi - ele não riu da piada.
Ela agora olhava para ele com olhos de súplica, implorando que ele não quisesse mais detalhes de algo que ela não sabia nem explicar para si mesma.
O garoto não entendia. Mas sabia que era obrigado a entender. Calado, levantou-se, pegou sua mochila do chão, deu uma batida nela para tirar os pedaços de grama, jogou-a aos ombros e saiu caminhando, meio trôpego. Fez menção de olhar para trás uma vez. Mas nunca olhou.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

as butterflies de lennon

- Não me solta!
- Eu não vou soltar.

(ele estava apenas segurando ela no colo, fingindo que ia jogá-la na piscina; mas que metáfora bonita que poderia ter sido, não?)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

manifesto pró-internação

Acima de tudo, eu sou um cara egoísta, que tenta a todos custos gostar de si mesmo, não importando quão difícil o mundo (sim, vocês, o mundo!) tenha tornado essa tarefa.

Abaixo desse egoísmo e dessa busca, estão meu repertório de palavras, expressões, gestos, trejeitos, idéias, ideais, sentimentos, gostos... Abaixo de mim, está tudo que acoplaram em mim.

Beatles é o que houve de melhor nesse mundo, e se tu não gosta de me ouvir cantando, recomendo fortemente não escutar nenhuma música deles perto de mim.
Eu acho a Mallu Magalhães uma fofa, que canta tri e tem um estilo no máximo quase-próprio, mas inédito no brasil. Ponto pra ela. Ela é autista, retardada, blablablá, é sim. Mas metade da raiva das pessoas por ela pegar o Camelo é porque eles que queriam pegá-lo.
A Zooey Deschanel não é linda, nem ótima atriz, nem ótima cantora, nem nada original. E 500 Dias com Ela não é nada mais que bonzinho. Discorde à vontade.

E se tu acha que todos esses filmes de Hollywood são um lixo de arte, comunicação ou sei-lá-o-quê, ponto pra ti, intelectualóide. Agora, PAREM com essa mania irritante de criticar tudo que é popular, pelo simples fato de quererem ser diferentes, ou de "odiar o senso comum". Vocês não são superiores ou sei lá que banana pensam que se tornam rindo falando mal do que os outros gostam. Se tu acha o filme um lixo, beleza, mas não ache ele um lixo só porque todo mundo acha bom - isso é pior do que achar bom só porque todo mundo acha bom.
Puta mania imbecil de querer estar por cima do povão. Te liga, tu é o povão!

O que VOCÊ já fez, de graça, pra ajudar alguém que nunca tivesse visto antes? Será que tu consegue ao menos ser simpático com o cobrador do ônibus numa quinta-feira de manhã? Ou será que tu só enche a boca pra falar do social em uma aulinha, com a professorinha anotando cuidadosamente quem são os alunos esquerdóides e quem são os reaças. Aliás, nem me faça falar dos esquerdóides e dos reaças. NÃO POLARIZEM!

Que merda, eu queria ser grande e grandioso. Mas só o que eu sei é chorar um pouco mais alto.
Eu tenho problemas na minha cabeça, que eu não sei resolver. Isso me torna um doente mental?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A jAnelA

A janela da saída de incêndio bate na minha cabeça e ecoa em um estrondo metálico - eu sempre tive a cabeça meio oca. Ela grita "que merda, vai logo!". Eu fecho a janela e começo a descer um lance de escadas, enquanto tento colocar minha calça do lado certo. Escuto a voz dele entrando, e é como todas as outras vezes... Ele repete "cadê o desgraçado?! Cadê ele?! Eu mato o desgraçado!", com pequenas alterações na estrutura das frases. Eu adoro ouvir isso.
Não vou mais descer. Subo de volta e me coloco um andar acima do apartamento deles, deitado no chão da escada, com a cabeça pendendo, ouvindo cada detalhe da briga que se desenrola logo abaixo ("me ligaram pro escritório, me contaram TUDO! Acabou, acabou!"). Abro um sorriso. Acho que finalmente ele vai mandar ela embora. Ou vai ele mesmo embora. Aí talvez ela fique comigo, de forma mais... regular. Talvez eu até possa apresentar ela pros meu pais, quem sabe?
De repente, ele mete a cabeça pela janela de incêndio e olha para cima e para baixo. Por sorte, tenho tempo de esconder minha cabeçorra e impedir o desastre.
O cara, satisfeito de olhar pela janela, retorna à ladainha ("quem é ele?! Onde que ele tá?"). Eu me pergunto o que diabos estou fazendo ali, sem calça, tremendo de frio, ouvindo aquela discussão. Um sopro de vento gelado apressa minhas conclusões e me põe de pé.
Preparo-me para descer, calculando se aquela escada de incêndio era mais velha que a minha vó, ou que a vó da minha vó.
Um voz, tão gélida quanto o vento daquela noite, me tira dos meus devaneios. "Tu é o novo pega dela, é?" pergunta a moça do apartamento logo acima do casal - o qual persiste na briga. É a venusiana mais linda que já vi. Tem cabelos negros, mas vivos, que lhe escondem um pouco do rosto - mas só o bastante para despertar a curiosidade. O rosto pálido, algumas marcas na pele, um certo ar de mistério, um toque de indefinível e irresistível doença cobre aquele rosto, aqueles olhos... Olhos que miravam o lugar logo abaixo de onde deveria estar meu cinto. Enrubesço, ao que me vejo sem resposta, sem calça e sem qualquer motivo para estar ali. "É, pode-se dizer que sim...". Maldita resposta estúpida. "Ela está melhorando, então. Quer entrar?" ela pisca charmosamente um daqueles enormes olhos.
Entro na casa da moça, fazendo uma demorada e inexplicável reverência ao pular sua janela de incêndio e pisar, com minhas meias sociais cinzas, em seu chão quadriculado. Um quadrado preto, um quadrado branco - como os que habitavam meus bobos sonhos da "minha casa".

"Tu quer uma cerveja?", ela pergunta com a naturalidade de quem recolhe caras da janela de incêndio seguidamente. "Acho que eu prefiro uma água". Ela vai até a geladeira e pega uma lata de cerveja. E é nesse momento que eu me apaixono.

O silêncio pesa absurdamente. É compreensível, dadas as circunstâncias, mas pesa como uma bigorna. Com a delicadeza de uma martelada no dedo, ela quebra o silêncio "olha, meu marido chega às sete; tu não quer conhecer o quarto?".

Pontualmente às sete horas, a porta da frente bate e eu, em um déjà vu assombroso, pulo janela afora, com a calça, a camisa e o cinto nas mãos. Fico agachado, observando o casal por alguns instantes. "Meu amor! E aí, como foi o teu dia?". Droga. Ele é um bom marido. Odeio bons maridos. Por que ele não pode chegar em casa pisando forte e xingando a mulher pelo congestionamento? Seria tão mais fácil pra mim.

Mais um déjà vu: escuto um assobio que vem de um andar acima. Viro a cabeça para cima: lá está a venusiana mais linda na qual já pousei os olhos. Os cabelos loiros ondulados tremulam com o vento, convidando-me para dentro de seu apartamento. Corro escada acima, fazendo um estardalhaço. Dos dois andares abaixo, brotam duas cabeças masculinas que me fitam desconfiadas. Ao verem a loira da cobertura, em cuja casa já vou entrando, retornam suas confusas cabeças para dentro de seus lares...

(criado em 18/01/2010
reciclado em 02/11/2010)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

nossas palavras

- Tá, eu preciso falar isso - ele disse, muito sério e formal, parando de caminhar.
Ela também parou, fechou os olhos e virou-se para ele:
- Manda ver, então.
Era um dia quente, e eles haviam decidido caminhar até um parque perto da casa dele. Disputaram as escassas sombras das árvores com uma multidão de pais, mães, avós, crianças e cachorros. Haviam desistido da batalha e caminhavam lentamente, de mãos dadas, pelos caminhos calçados do parque. Agora estavam parados, um de frente para o outro - ainda com as mãos dadas. De olhos cerrados, ela sentia a persistente luz do sol invadindo suas pálpebras, tingindo seu escuro de vermelho:
- Vai parecer puxação de saco, sei lá - ele iniciou, agora mais tímido.
Ela sorriu. Nem tentou fingir não ter expectativas sobre o que ele iria dizer:
- Tá, tá, fala logo!
- Ok. É só que... sabe, acho que depois de te conhecer, não vou nunca mais me contentar com qualquer pessoa que seja algo menos que genial. Acho que preciso da tua magia, do teu jeito, ou sei lá que palavra existe pra isso. Preciso das tuas frases complicadas e compridas. Tô viciado até nas tuas palavras! Não consigo pensar em não aprender alguma coisa contigo todo dia... Eu te acho brilhante, genial, forte, única, e tu sabe como eu valorizo isso...
Ela abrira o olho esquerdo e espiava ele. O garoto gesticulava muito, mesmo achando que ela não o via. Olhava para longe, como que pedindo ao horizonte que lhe dissesse que palavras usar. Falou enfim:
- Sabe, eu acho que eu te am... - ela colocou rapidamente o dedo sobre a boca dele, fazendo-o calar.
- Vamos manter a originalidade, ok? - ela disse, abafando um risinho.
Ele passou o braço pelo pescoço dela, deu-lhe um beijo estalado na bochecha e sugeriu um picolé...

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

atrasada ou muito atrasada

- Não, não, eu tenho que ir.
- Tu tinha que ter ido meia hora atrás. Atrasada ou muito atrasada dá na mesma...
- Não, mas vai ficar muito na cara; todo mundo vai perceber lá em casa. Sério, olha o meu cabelo! Que que eu faço com o meu cabelo?!
- Faz nada, deixa ele assim. Eu gosto dele assim.
- Tu tá entendendo que se eu chegar em casa a essa hora, com o cabelo assim, meus pais vão ter que fazer um esforço muito pequeno pra adivinhar onde eu andei, e o que eu andei fazendo, né?
- Teus pais nem vão perceber. Ela deve estar no quarto, passando hidratante nas pernas; e ele comendo pipoca e vendo Tele-Domingo. Vem aqui!
- Não, não. Deixa eu arrumar meu cabelo aqui... ai... Poxa, não sei o que eu faço pra ele parecer normal!
- Teu cabelo tá lindo, tá normal, natural. Volta pra cá!
- Ahh... Tá. Tá. Mas daqui a dez minutos eu vou embora!
(meia hora depois, ele está beijando o pescoço, os braços e a barriga dela...)

domingo, 24 de outubro de 2010

paralelos

A música de fundo ora aparece, ora some - ela não é o mais importante nessa cena.
A luz, tímida, forma sombras alongadas a partir dos dois corpos: é como se eles posassem em movimento, assistindo suas figuras na parede - mas isso não é o mais importante nessa cena.
Os sons, as poucas palavras, a respiração dos dois: uma sinfonia intrincada e melódica, regida pelos movimentos precisos embora espasmáticos dos dois corpos - isso ainda não é o mais importante nessa cena.
A complicada dança (se é que se pode chamá-la assim) sincronizada dos dois embala minutos, horas, eternidades consecutivas - pois é isso que parece durar aquela noite...

Nada que se possa comentar, delimitar ou explicar interessa tanto quanto o inexplicável.
O inexplicável que cruza a mente de cada um deles, que os leva a dizer e a pensar o que dizem e pensam, embora nem sempre digam o que pensam ou pensem no que dizem...
O inexplicável que os leva sempre aos mesmos lugares juntos.
O inexplicável que os obriga a relembrar cada momento.
O absurdo que os leva a pensar em todos os instantes e a eternizá-los em palavras que jamais poderão explicar o real significado desses instantes.

cara mau

Perdoar é dar um passo para trás, para dar dois pra frente. É recuar no meu orgulho e na minha "honra" (se é que eu tenho alguma). É me libertar da minha angústia, dos meus julgamentos de mim, de ti e da situação. É sair da concha.
Perdoar é um ato acima da compreensão humana; não faz sentido no nosso plano astral. É aceitar e acolher o erro alheio que me prejudica e me incomoda, sem benefícios diretos e muito poucos indiretos.
Perdoar sinceramente é dificílimo, é quase abrir mão de uma parte de si. Porque a raiva, o ressentimento e o ódio nos constituem também, não se engane. Eu contenho ódio, e abnegar dele é perder uma parte de mim mesmo.

Isso tudo em mente, eu olho pra frente, dou um passo para trás e me preparo para os meus dois próximos: eu te perdoo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Love me while you can

- Na real o George foi pra Índia, despirocou completamente e voltou de sandalinha de couro, querendo colocar cítara até em Parabéns pra Você - disse ela, de uma só vez, como que se tirando um enorme peso das costas. - Pronto, falei.
Ele a fitou por alguns instantes, com um misto de espanto e indignação. Suspirou para se acalmar e disse então:
- Se pra ti uma viagem de cunho espiritual, cujas consequências refletem até hoje no cenário musical é um "despirocar", então sim, ele despirocou afu.

A discussão seguia um molde predeterminado, repetido sempre que eles ouviam Revolver, dos Beatles, juntos. Ela mantivera aquelas palavras dentro da boca desde Love you to, a quarta música do CD, a qual ela classificava abertamente como "hipponga". E ele ainda tinha que cantar junto a letra da música! Parecia até provocação.
Agora já estavam em She said she said, a sétima. Ambos silenciaram. Era um acordo velado: She said she said era boa demais pra se brigar em cima. Ele batucava na própria perna; ela tocava uma guitarra imaginária. Aquela trégua ofereceria uma imagem engraçada a quem olhasse aquele casal, sentado no sofá da sala, com tantas regras implícitas em seus jogos. Tão logo começou Good day sunshine, ele fez uma careta e atacou:
- Bom mesmo é o Paul dizendo como a vida é bela. Bom dia, luz do sol, mimimi! Ridículo.
Ela acusou o golpe. Balbuciou algumas palavras de protesto, mas teve de concordar: Good day sunshine não podia ser séria. Ele fez uma cara satisfeita e pôs-se a batucar novamente. Acuada, ela fechou a cara e passou a cantar, com os dentes cerrados, "And your bird can sing, but you don't get me, you don't get meee!". Ele percebeu a belicosidade da situação, pegou o controle remoto e pulou algumas músicas, até chegar em Got to get you into my life.
Levantou do sofá com um pulo e parou na frente dela, cantando "Ooh, then I suddenly see you; Ooh, did I tell you I need you; Every single day of my life..." e rebolando ridiculamente. Ela abriu um largo sorriso e, antes que começasse Tomorrow never knows, já estavam rolando pela cama.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

pós-começo (ou pré-fim?)

- Essa porta sempre tranca, tem que dar uma puxadinha pra cima... - ela disse, fazendo força na maçaneta para cima.
- Peraí, deixa eu tentar - ele a entregou as sacolas que segurava, tomou a chave e, gentilmente, abriu a porta.
- Olha só! Como eu vivi tanto tempo sem ti? - ela riu suavemente, com um toque de malícia. - Ah, entra aí.
Ele entrou no apartamento. Parecia uma criança dentro de uma loja de brinquedos grande demais para sua atenção.
- Bah, Hitchcock na sala! Genial! - ele apontava para o cartaz de "Os Pássaros". Ela sorriu orgulhosa. Deu-lhe um beijinho e foi correndo guardar as compras.
- Tu comprou a vodka mesmo! Achei que fosse brincadeira! - ela gritou da cozinha. Ele sentara no sofá da sala e agora lia distraidamente uma revista qualquer que estava a seu alcance.
Logo, ela veio com o DVD que eles haviam alugado e um saco de pipoca.
- Preparado? - ela perguntou alguns instantes depois, já com o controle remoto na mão. Ele assentiu, e eles passaram duas horas aninhados um no outro (exceto por duas pausas para ela ir ao banheiro), assistindo a um dos clássicos aos quais ela sempre se referia.

Após o filme, recolheram minuciosamente as migalhas de pipoca do sofá e se dirigiram ao quarto dela. Ela pulou na cama e, pelo seu olhar, convidava-o a fazer o mesmo. Ele correu e se atirou do lado dela:
- E aí, gostou? - ela perguntou, abraçando o pescoço do rapaz.
- Gostei, gostei - respondeu, distraidamente, já beijando o pescoço dela.
Enroscaram-se, e iam beijando-se e abraçando-se, até que ele, num ato distraído, olhou para a estante que havia na cabeceira da cama. Ali, um ursinho de pelúcia o encarava com desprezo. Era branco, mas um pouco desbotado e encardido. Tinha um coração enorme e bobo na barriga e segurava sobre a cabeça um porta-retrato - vazio. O rapaz sentiu-se mal por um instante. Parou de beijá-la. Ela percebeu:
- Que que foi?
Ele apontou o ursinho com o queixo:
- Tirou a foto daí hoje, né?
Ela silenciou por um instante. Baixou o rosto e os olhos e suspirou. Levantando as sobrancelhas, disse então:
- Pelo menos eu tirei, né? - e sorriu minimamente.
Ele fez cara de quem entendeu a ideia. Respirou duas ou três vezes. Olhou para ela. Para o fundo dos olhos ela. Abriu um meio-sorriso e, num golpe só, deu um tapa no urso que o fez decolar até a lixeira, do outro lado do quarto. Piscou para a garota. Inicialmente assustada, ela deu uma gargalhada e se agarrou de novo no pescoço dele.

Já no outro dia, de manhã:
- Ele era horrível mesmo, não?
Ela concordou com a cabeça, mas não com a mente.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

o complicado, enrolado, e prolixo fim

A campainha toca. Ele levanta do sofá, fingindo não ter pressa para abrir a porta. Espia longamente pelo olho-mágico, como se não soubesse quem está lá fora. "Ela ficou bem de cachos..." pensa consigo.
Abre a porta lentamente. Um rosto sorridente aparece:
- Oi! - ela exclama, os olhos brlhando, um pouco marejado; certamente não só de alegria.
- Ehm... oi! - após uma pausa constrangida - Entra, entra!
Ela entra no apartamento, pé ante pé; a cabeça e os olhos espiando tudo. A garota fareja sua própria presença, procura sinais de sua existência na casa alheia:
- Ah, tu deixou o Negão!
O Negão era uma estatueta de uns 30 centímetros de altura, de um aborígene com uma lança de taquara. Ela sempre soube que era horrível, mas sempre sentira a presença dele (e em lugar de destaque) na sala como um sinal de certa fidelidade.
- Ah, é... pois é, ele combina com a... ãã... TV...? - seu rosto enrubesce pela estupidez que acaba de dizer.
Percebendo o desespero dele, a garota o socorre, mudando de assunto:
- Olha aí, eu trouxe pizza! - ela diz, abrindo um sorriso.
Ele olha para a sacola (até então sequer havia reparado nela), mais para fugir daquele sorriso do que para contemplar a pizza congelada.
- Legal, vou esquentar o forno! - e sai correndo pra cozinha.
Voltando à sala, encontra-a descalça, bebericando uma taça de vinho, inclinada sobre a estante, passando o dedo distraidamente sobre os CDs, procurando algum que a agradasse.
- Olha! O CD do Cardigans que eu te dei! - ela exclama alegremente, já colocando o o disco no rádio. Aquele disco que ele não ouvia há meses, e não era por não gostar de Cardigans...

Por duas horas, jantam a pizza (que ele queima, como de hábito), ouvem músicas e conversam timidamente sobre suas vidas e sobre suas lembranças.
- Pinga! Pinga! - brinca ela, fingindo torcer a garrafa de vinho. Uma última gota cai no cálice, e ela a sorve agitadamente.
Ele sorri debilmente em aprovação, como fazia de hábito. Na verdade, para ele, a noite está sendo uma enorme decepção. Pensava que, ao final da noite, teriam feito as pazes e recomeçado sua vida juntos. Mas até agora, só conseguira conversar sobre assuntos levianos ("A Cacá tá namorando com o Júnior! Eu te disse que tinha coisa ali!") ou sobre lembranças dolorosas.
No entanto, seu quarto, fechado, está finamente preparado para agradá-la. Uma garrafa de champanhe, uma caixa de fotos de suas viagens juntos, um grande buquê de rosas; a cama, cuidadosamente arrumada e impregnada com o perfume favorito dela. E tudo que conseguira até então era saber do patético destino das amigas desinteressantes dela...
- Essa caixa aí é minha? - ela pergunta, indicando a caixa no canto da sala. Dentro dela, livros, CDs, roupas dela. Tudo bem dobrado e arrumado com carinho.
- É, coloquei tudo aí... quer dizer, exceto o Negão. E o porta-retrato. Mas se tu quiser eles...
- Não, não, não e não. Presente é presente! Ou tu quer os meus ursinhos de volta? - ela ri gostosamente, jogando o cabelo para trás.
Ele se esforça, mas só consegue sorrir amarelo.
- Bom, eu vou indo então - ela conclui, já se levantando.
Após uma breve e embaraçosa despedida, ela entra no elevador ("Bom te ver, hein!"). Ele fecha a porta. Encosta-se nela, deixando-se cair vagarosamente no chão, as mãos cobrindo os olhos. Permanece sentado no chão por alguns instantes. Abre então os olhos, levanta-se ligeiro e sai correndo para a janela do quarto, que dá para a rua. Abre a janela e a procura na rua. Lá está ela! Abrindo a porta do táxi!
- LÍVIA!! - ele grita. Ela levanta a cabeça, olha em volta, aguça a audição. Mas naqueles poucos instantes, algo mudou. Ele não grita novamente. Simplesmente observa ela entrar com seus recém-adquiridos cachos no táxi. Algo mudou. Ele sabe. Ele sabe que acabou.

simples começo

- Ali! - ela falou, apontando para um risco no céu.
Ele riu com satisfação; explicou-se:
- Eu nunca tinha visto uma!
- Rá, então eu sou tua primeira! - ela disse, esboçando um sorriso, mas logo se arrependendo. Ela sempre analisava as próprias piadas. Ele achava graça.
Um silêncio pleno e agradável pousou sobre os dois. Ele aproveitou para rolar seu corpo sobre a grama, deitando virado para ela.
Estudava cuidadosamente o rosto da garota. Gostava de tudo nela. De fato, gostava até das orelhas dela! Pensou em maneiras de dizer isso, mas sentiu-se "bobo. E piegas!". Aliás, sentiu-se piegas por ter pensado na palavra "piegas".
Ela agora olhava para ele também, o rosto virado para o seu lado; o corpo hesitante entre virar para o dele ou não.
Sem perceber, se aproximavam. Os olhos dela eram tudo que ele podia enxergar. Podia jurar que sentia o coração dela bater, junto com o seu. Sentia o cheiro da respiração dela - o aroma mais íntimo que há.
Fechou os olhos e soube: começou ali.

maria antonieta

Gato de botas,
Caia de pé.
D'altura que for,
Caia de pé.

Não segure minha mão,
Não me peça perdão;
Se um culpado existe,
Sabemos quem é
- caia de pé.

Não chore em vão;
Engula secamente
As lágrimas que virão
- e elas virão.
Não serão elas a resolver
Minha falta de fé.
Gato de botas,
Não se deixe morrer:
Por favor, caia de pé.

bem-te-vi

Todas as formas de destino,
Todas as formas de intuição;
Todas as formas que, imagino,
Levam o ser a sua ação;
Todas existem,
Coexistem;
Convergem num ponto:
Me levam pra longe de ti.

Todas as formas de recomeço,
Todas as formas de mudança;
Com todas as formas me pareço
- o nosso re-final me cansa.
Nossos infindáveis ensaios de fim
Terão fim
Enfim.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

quase-fim

- Onde tu dormiu ontem? - ela perguntou, despretensiosamente, enfiando um pedaço enorme de frango na boca.
- Como assim? Eu dormi em casa... - respondeu ele, virando os olhos, tomado de um súbito e inexplicável interesse pela TV: dois homens com roupas coloridas e trejeitos afeminados discutiam a decoração de uma casa.
Percebendo que o disfarce não era convincente, levantou-se, jogou o resto de sua comida no lixo e pôs-se a lavar seu prato na cozinha.
- Eu liguei pra tua casa. Tu não atendeu... - ela sugeriu novamente, com o cuidado de não parecer se importar muito.
- Fui dormir cedo - respondeu simplesmente, retornando, secando as mãos em um pano e trazendo um garrafa. Sentou-se novamente ao lado dela.
Uma aura cinzenta pesou sobre os dois. Ela sabia. Ele sabia que ela sabia. Ela sabia que ele sabia que ela sabia...
(mas eles simplesmente tomaram mais uma garrafa de vinho e viveram felizes por mais uma noite)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

200

Entre abraços não há espaços - para dúvida ou para pensamentos incertos.
Entre corpos apertados não há segredos guardados que não sejam descobertos.
Não importa o quão estranho seja, parece certo - e quem se arrisca a dizer que não é?

sábado, 2 de outubro de 2010

eu vou rolar os dados todos os dias
e vou sempre seguir a minha sorte
a minha ventura
ou o que você chama de deus ou estatística

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

da epiderme da alma

Uma sala de estar em um apartamento pequeno e empilhado de quinquilharias e móveis antigos.
Ao lado da janela, uma mesinha. Um binóculo e comprimidos controlados - a alucinação e a cura. Livros por toda parte, todos lidos, relidos e bem rotos. Pó por toda parte. O vidro da janela não se vê limpo há anos.
A televisão desistiu de ser levada ao conserto. O rádio só toca as mesmas músicas.
Não há sinal de reforma, mudança, limpeza - sequer há sinal da luz do sol. Não há sinal de vida que não seja um homem (um fantasma, pode-se dizer) sentado em uma poltrona rasgada, a roer as unhas e a fustigar-se pensando.
A poltrona, a parede e, pensando bem, tudo ali é cinza. Tudo ali exala não-vida (porque esse é o contrário de vida). O fantasma está remoendo seus problemas, revirando os olhos ao pensar em uma solução simplista demais, em outra complicada demais.

Ele parece inquieto. Levanta-se de súbito; pega dois comprimidos, engole-os em seco e toma o binóculo em mãos. Como de hábito, aponta o binóculo para o lado de fora, não sem antes limpar um pouco o vidro da janela com a manga de seu moletom. Seu rosto deformado esboça um leve sorriso ao olhar o mundo externo.
Rosna baixinho algum som ininteligível, mas certamente de aprovação. Parece habituado àquilo. É como se fosse uma tara, uma perversão.
De repente, deixa seu braço cair, o binóculo pendendo em sua mão. Seu rosto não tem mais o sorriso débil de segundos atrás. O homem fica sério, e seu rosto toma uma assustadora forma: não é exatamente ira ou ódio, é algo muito mais profundo que isso - algo muito mais antigo e amargo. Tomado de um impulso, joga o instrumento no chão com toda a força. Caminha cambaleante até sua poltrona e deixa-se cair ali.
"Maldita chave! Hei de morrer aqui dentro, sozinho, sem a chave da porta da minha própria casa!"

Sim; o homem vê-se preso em sua casa, sem sua chave. Acometido pelo descuido, um dia deixou-a nalgum lugar e nunca mais soube onde foi. Talvez tenha esquecido, talvez não queria lembrar - mas ele não pode abrir sua porta.

O fantasma, de porte tão elegante e potente, de repente chora desesperadamente. Esmurra violentamente suas pernas. Amaldiçoa-se por seu esquecimento. Amaldiçoa sua vida, seu apartamento. Amaldiçoa o mundo lá de fora, por não abrir suas portas para ele...

Secando os olhos em sua manga, ele se põe em pé e liga o rádio. O som de suas melodias preferidas é provavelmente o único porto seguro dentro da fortaleza de pedra na qual ele existe. Agora o homem chora baixinho, quase um ganido canino.
De repente, silêncio.
O choro para.
O fantasma não respira.
Ele olha para a porta. Olha para a janela. Porta. Janela. Olha para si.
Levanta-se.
Faz menção de pegar alguns comprimidos, mas simplesmente derruba-os no chão.
"Não. Não. Não, não, não. Mas..."

O fantasma caminha a passos largos e ágeis até a porta da frente.
Olha bem para sua porta. A porta que abriu e fechou a vida inteira, antes com seus pais, então com seus amores - depois da morte daqueles e da perda destes, nunca mais. Mirou com atenção a maçaneta de sua porta. Ela era de um dourado envelhecido, mas persistente. Provavelmente o único objeto naquela casa que ainda ousava exibir alguma cor, alguma vida, por mais tímida que fosse.
Tomado de um curiosidade irresistível, ele admirava a maçaneta de sua própria casa, como quem olha para uma peculiar obra em uma exposição moderna.
O rosto do fantasma é tomado de um ar de incredulidade, mirando aquele pedacinho de metal que lhe manteve trancafiado por tanto tempo.
O homem deixa sua cabeça cair até a porta, fazendo um som seco de batida.
Quando ergue de novo seu rosto, exibe um sorriso infantil.

Coloca sua pesada mão sobre a maçaneta. Sente o metal frio sobre sua pele. Sua espinha se arrepia de excitação. Gira a maçaneta rapidamente, produzindo o som característico que há tantos anos não ouvia.

A porta nunca esteve trancada.
A porta nunca está trancada.

eu mudei (de novo)

Nada que eu diga ou que eu finja acreditar
Vai me trazer de volta
Pra mim.

domingo, 26 de setembro de 2010

T-1. Quinta-feira

Hoje sentado no coletivo veloz, pensava mal-humorado nas desgraças que visavam me derrubar. Encostado na janela, eu viajava mais rápido que o ônibus.
Minha mente transcendia a grande lata de sardinha e só o que eu queria era que o lugar ao meu lado se mantivesse vazio. Ah, que nenhum miserável ali sentasse para roubar meu ar, minha privacidade ou tudo aquilo que nossos vizinhos de banco nos tomam...
Assim, eu fitava a roleta com o olhar mais repelente e odioso que conseguia. Homens, mulheres, moças bonitas, moças feias; a todos eu exibia meu olhar de desprezo e desgosto. Que nenhum deles ousasse sentar do meu lado!
O ônibus meio vazio contribuía para meu sossego. Aterrorizadas, as pessoas fugiam do meu olhar de ódio e davam graças por poderem sentar longe de mim, em outro lugares vazios - e a isso eu dava graças também.

Eis que subiu nas barulhentas escadas uma senhora. Gorda! Com seu suéter amarelo, parecia um gigantesco quindim. À senhora gorda, exibi o mesmo olhar repulsivo que às demais pessoas. Devia haver mais dois ou três lugares, todos também ao lado de outros. A senhora gorda, no entanto, não se intimidou com minha carranca. Deslocando quantidades colossais de ar e dispendendo tantas calorias quanto um almoço de domingo em família poderia prover, ela passou a roleta e caminhou até o lugar onde eu estava.
Distraído no meu pensar-em-odiar, ouvi muito longinquamente uma voz que reconheci dizer "dá licença". A enorme madame sentou-se ao meu lado e, durante esse processo (que, dadas as proporções da rapazola, demorou algum tempo), só pude pensar em como eu queria que ela virasse açúcar de confeiteiro, fermento, ou qualquer outro ingrediente de sua preferência.
Mas a dona Quindim manteve-se como dona Quindim. E, ao sentar, encostou sua perna na minha. Eu quase chorei. O contato daquela coxa morna, macia e desumanamente grande na minha despertou algo de maternal, aconchegante e relaxante.
Nos dez minutos seguintes, só fiz buscar mais contato, mais calor. Mexia-me em meu lugar, criando um atrito acalentador com minha salvadora roliça. Meu rosto permanecia gélido, impassível, mas eu me aproximava cada vez mais dela.
Pois não é de se espantar que na primeira oportunidade ela levantou de um pulo e se enfiou em um banco sem vizinhos para se esfregarem nela.
E ainda deve ter pensando "esses guris tarados", o quindim.

[/confessionário]

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Belchior - Sujeito de Sorte

Tenho sangrado demais,
tenho chorado pra cachorro

Ano passado eu morri
mas esse ano eu não morro

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

orar é raro

No fim não há estouro, baque ou explosão
Há apenas um grito contido,
Um som quase-mudo, que muitos dirão
Se tratar de um gemido.

Simon and Garfunkel - 59th Street Bridge Song (adaptado)

Hello lamp-post,
Whatcha knowin'?
I've come to watch your flowers growin'.
Ain'tcha got no rhymes for me?
Doot-in' doo-doo,
Feelin'
guilty...

domingo, 19 de setembro de 2010

público X particular

Eu não sei o que faço, tu em mim
Não sei aonde vou - tu vais comigo;
Não sei acordar, não sei sonhar, nem sei mais me iludir;
Não sei pra onde olhar - tuas roupas no meu armário, tua foto na minha parede.
Não sei. Não sei.
Não sei mais me portar - tu olhas pra mim;
Não sei como explicar - tuas idéias em mim;
Não sei como escapar! - teu cheiro em mim...


Seria melhor se tivesse o gosto azedo
Da perda inevitável;
Pior mesmo é o gosto seco e indefinível
Do eco.
Um eco silencioso,
Como uma pedra que cai depressa
Em um buraco sem fundo.
Como um grito de socorro
Que nunca foi gritado.
- socorro! A pedra sou eu!

Ecoas em mim, em cada atitude
Em cada olhar, em cada aroma novo ou conhecido;
Não há lugar que olhe que não estejas a me olhar.
Me olhas de dentro de mim mesmo.
Me olhas com expressão de nojo, espanto e infinita tristeza.
Infinita tristeza.
Infinita tristeza.
Infinita tristeza...

E se me pesam rostos boquiabertos,
Com olhos espantados,
Orelhas em pé
(falsos confidentes, ludibriam-me habilmente,
tal qual esperando que o urso saia da toca),
Línguas afiadas:
"O que houve?"
Não sei. Não sei.
Só sei que não deveria ter havido.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Devendra Banhart - Now that I know

(...)
- I may not know
How to treat or give you what you need
But I am a gentleman who says what he means now (...)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

azUL

Tem dias que chega a ser engraçado.
Escrever como forma de higiene pessoal.
Mental.
Como forma de esclarecimento.
Lento.

Tem dias que eu nem sei o que dizer.
Mas digo, só pra não perder a viagem.
Tem dias que eu preciso escrever.
Escrever em tudo, até mesmo na margem.

Escrevo por luto, escrevo por alegria
Escrevo em mim, no papel no meu mundo
Escrevo colorido, cortante, berrante, VIVO!

Mas principalmente, escrevo sonolento;
Escrevo como etapa primeira de uma noite de sono.
Escrevo como quem sonha - e depois sonho com escrever.
Como com um pincel fino, molhado em tinta azul,
Vou tecendo meus sonhos em forma de letras, palavras, frases...
E se soam desconexas é porque estás muito acordado!
Eu me faço para ser declamado ao pé da cama.
- não da tua.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

enrolados

Eu faço um nó na minha cabeça
- da minha cabeça o nó vai pro mundo
E do mundo o nó cai em nós

E de nós nos fazemos nós...

sábado, 28 de agosto de 2010

Amor

Não há motivo
Objetivo
Ou saída.

Cala a boca.

Tenho vontade de falar
Mas não sei o que dizer
Claro, não seria por isso
Que haveria de calar.

The Velvet Underground - Stephanie says

Stephanie says that she wants to know
Why she's given half her life, to people she hates now

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

desajeito

eu tenho um jeito estranho
de me fingir normal

terça-feira, 17 de agosto de 2010

eu não sei o que dizer

Eu fugiria,
Se tivesse coragem
De correr pela porta
E batê-la nas costas

Garotos que fogem
Não passam de ano;
Na escola e na vida
Não passam de ano.

Garotos que morrem
Mudam de planos;
Não mudam de casa,
Não mudam de corpo;
Garotos que morrem
Mudam de planos

Garotos da vida
Vivem a vida
Comem a vida
Compram, vestem, cheiram,
Mastigam a vida.
Por mim e por nós,
Garotos da vida
Vivem a vida.
Que bem que fazeis a nós,
Bons garotos,
Vós que viveis vossa vida.

E eu, que não vivo nem morro
- nem fujo (por falta de coragem)
Vos falo e vos dou fé:
Mais vale sofrer,
Fugir, morrer e remorrer;
Mais vale viver
A vida como é
- mesmo que de joelhos,
Que uma desvida
Vivida de pé.

domingo, 15 de agosto de 2010

serestar

Às vezes tenho medo
De sentir-me estranho há tanto tempo
Que me sinta até normal

domingo, 8 de agosto de 2010

The Kinks - I'm not like everybody else

And I don't want to ball about like everybody else,
And I don't want to live my life like everybody else,
And I won't say that I feel fine like everybody else,
'cause I'm not like everybody else,
I'm not like everybody else.


(at least I don't want to be)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

um banho

Não dá pra pedir a alguém que faça tanto quanto nós mesmos.
Mas não há por que se vingar...

domingo, 1 de agosto de 2010

La vie a deux

J'espere ne plus jamais faire souffrir quelqu'un
Comme je t'ai fait souffrir

quarta-feira, 28 de julho de 2010

But they took away the meaning, Alice!

Acho que tenho a mania não propriamente sadia ou positiva de aplicar conceitos, ideias e frases em contextos que não são aqueles em que/para que foram criados. Citações de filmes, trechos de livros, acabo enrolando tudo que vem de fora junto com o que vem de dentro, misturando em um novelo que é o que dá pra se chamar de "minha concepção de mundo".
Pois, no momento, insone, quero discorrer longa e tediosamente (como sempre) sobre meaning. Paradoxalmente, o significado de meaning.

A frase estampada no título deste texto é de "I'm not there", ou "o-filme-do-bob-dylan", que dá na mesma. Além dessa frase, vou me apropriar de outras ideias e outros temas contidos no filme, só porque gosto das metáforas e das explicações que eu vi ali.
Eu diria que esse trecho por si próprio, dentro do filme, tem uma importância minúscula. No entanto, como eu disse, eu tenho uma (i)lógica própria pra aplicar as coisas que eu absorvo. Assim, eu seguidamente me lembro dessa frase, do jeito que ela é dita, e pouco me importa o que significa dentro da cena "tal". O que me importa é perceber como muitas vezes they really take away the meaning!

Mais claramente, como aquela manifestação que um dia inspirava gostos, despertava aromas e dava calafrios, de repente se torna algo banalizado - para dizer no mínimo. Isso aconteceu com todas as nossas revoltas. As revoltas nossas, dos jovens, das pessoas que têm que fazer revoltas.
O que diabos um dia significou colocar um tênis sujo e velho, um jeans rasgado, uma camiseta amassada de uma banda barulhenta e se sentar em grupo, fumando substâncias lícitas ou não, discutindo desde o gosto do suco do Restaurante Universitário até o futuro das instituições humanas, políticas e familiares - se é que significou algo... Claro, pra mim a questão não é se significou algo, porque pra mim significou, e ainda significa.

O meu protesto velado às cagadas do mundo pode muito bem ser simplesmente me abster da discussão em seu cume, voltando ao cerne da questão, voltando às origens, que são o centro do tema. Talvez filosofar vagamente sobre temas que flutuam sempre um centímetro acima da nossa cabeça seja mesmo um meio, ainda não um fim. Talvez sair do materialismo da discussão e voltar um passo ou dois permita-nos enxergar melhor. O meu protesto é de dentro, mas se reflete fora. Ao me vestir diferente, ao agir diferente, eu externalizo que não compactuo com as asneiras que meus colegas sapiens-pero-no-mucho andam por aí cometendo. E aí a paz de espírito. Eu gritei pro mundo todo: eu não estou lá.

Seguro do meu protesto, contente com a minha mente livre e combativa, ando com minhas roupas que são, digamos, o atestado, não o protesto em sim.
Passam-se os anos, e o "alternativo" torna-se o convencional. O normal é querer ser diferente. O legal é ser hippie. O legal é parecer triste (que é originalmente outro protesto, pode-se dizer). O legal é vestir um protesto e tirá-lo pra colocar o pijama e dormir.

Onde foi parar o meu protesto, onde está aquele pedaço de roupa simples que atestava a minha indignação e a minha presença de espírito?

O protesto foi engolido pelo sistema e vomitado em forma de consumo.

Agora, eu não preciso mais ser hippie, eu posso consumir hippie. Eu posso consumir gótico. Posso consumir punk. Posso consumir qualquer manifestação. Posso tirar todo o significado de tudo, diminuindo a essência à capa. Um dia foi uma laranja vistosa, orgulhosa de sua bela casca que dizia o quão suculenta era. Até o dia que as mais podre laranjas - e até mesmo maçãs! Bananas! Melancias! - adquiriram o direito de vestir a sua casca.

E agora? O desafio é criar significado numa época de desapego, de desinteresse e de deprimente individualismo. Pois um significado só surge com um grande apego, que o construa; um grande interesse, que o mantenha; e um senso coletivo, que o propague.
Contrua uma ideia, crie um significado, mesmo que seja só pra você. Talvez começar uma revolução interna seja o primeiro e mais difícil passo. Talvez querer mudar os outros seja inerente ao nosso espírito conquistador; mas eu rogo, comece as mudanças em você mesmo.

Happiness is an elephant gun

If I was young, I'd flee this town
I'd bury my dreams underground


Olhando pela janela, eu pensei animado "eu poderia morrer agora; poderia explodir em mil pedaços - e eu morreria feliz", mas de súbito, epifanicamente, aprendi que muito mais justo/útil/formidável é estar tão feliz não a ponto de morrer, mas feliz a ponto de suportar a vida:
eu estou tão feliz, que suportaria a vida toda por ti.

Let the seasons begin...

E lá fomos nós, voando...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

e é

E eu que demorei tanto
pra me tornar eu mesmo
me sinto agora estranho
por não saber quem sou

quinta-feira, 8 de julho de 2010

blablabla

Tudo pesa.
Toneladas.

(o lado bom é que tudo tem o potencial de sumir e me deixar sentindo leve...)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Pretenda

Todos os vazios
Todos os desejos
Todos os amores, quase-amores, desilusões e recomeços inúteis
Ideias inúteis de tentativas inúteis de atingir o inatingível.
Agora, tudo e todos são vazios.
Tudo é oco.
Louco.
...
E se é tudo tão vazio...
Todos os vazios...
Todos os ecos e palavras-não-ditas
Todos os vazios maciços e macios
- é lá que habitas

domingo, 27 de junho de 2010

morde

tenho que aprender
a falar sobre tudo,
até o que não faz doer
- deixar de ser alegre-mudo.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

já faz tempo

eu não morri
só tô
descansando

domingo, 23 de maio de 2010

no tempo que eu pensava em tempo (ou "a repetição de uma palavra a torna engraçada")

Eis uma pequena coisoquinha que eu escrevi há milanos e que eu encontrei esses dias. Sem correção, sem cortes nem nada:

"Tempo

Tempo que não perdoa, tempo que corre à toa
Tempo que passa, que corre, que voa
Tempo que dança, tempo que me cansa
Tempo que não existe; o que ao tempo resiste?

Tempo que não para, que não mente, que me diz,
Todo dia, tempo, tempo, meu algoz, minha paixão
Tempo que não some, que não aparece,
Tempo que eu não tenho, tampouco tempo não o vejo

Tempo de agora, temporal
Chuva no manancial,
Lágrimas em teu rosto
Tempo que as enxuga
Tempo que teu rosto enruga

Tempo que me chateia,
Tempo que me embosca,
Tempo que me sufoca,
Tempo que não passa, tampouco me transpassa
Tempo que não vem, tempo que não se tem
Tempo que corre, como o tempo que morre

Tempo do qual não fujo, tempo meu refúgio
Tempo minha perdição, tempo minha maldição

Tempo que mata, tempo que morre
Tempo de prata, tempo que corre

Tempo, tempo, por quanto tempo mais há de ser o tempo
Aqueles velhos tempos, estes novos tempos...
Tempo meu, tempo teu

Tempo que já se foi, tempo que já se deu
Tempo, eu grito: tempo!
Não me mata por enquanto
Tempo que me deixa aos prantos

Tempo de cá, tempo de lá
Tempo de ter, tempo de dar
Tempo meu amor, tempo o maior temor

Tempo que passa, que corre, que voa
Tempo que dança, tempo que me cansa
Tempo que não perdoa, tempo que corre à toa..."

The Cardigans - For what it's worth

and we had fun fun fun
'til I said I love you
and what is worse I really do!

a leia tório

eu ando um pouco brabo comigo mesmo,
pelas decisões que eu tomei,
pela burradas que eu fiz
e pelas que eu 'inda farei
- pela minha falta de criatividade,
pela ausência de humildade
e pela minha pretensão,
pelo excesso de paixão.

Eu ando aficcionado com o que eu faço
Eu ando à flor da pele com o que eu amo;
Mas eu amo muito pouco,
Mas eu amo muito poucos,
Mas eu amo de pouco a pouco
- até amar mais um pouco

acredita, isso é mesmo coisa de louco, mas eu juro grito canto asfixio falo conto berro-pelado-correndo-na-chuva esperneio saracoteio e insisto que te amo

it's all over now, baby blue

me ponho a sangrar,
e o sangue a jorrar
não me deixa esquecer
do mal que eu fiz

mas tudo que fiz foi feito pensando com o peito, e se agora não tem jeito... que faço? eu aceito.

tenho a sorte de que meu futuro não está nas mãos de quem me ama, odeia, ama mais, odeia mais, e ama mais ainda, pra depois odiar eternamente.
tenho a sorte de que sempre caio de pé.

deus não precisou morrer

definitivamente,
o mundo não tem nada a ver com deus

Entendam, vocês, que é fácil, é conveniente, é prático, é tudo(!) menos racional crer na existência desse ser superior.

As características e as potências do teu deus são um afronta à minha liberdade, à minha inteligência e, em última instância, à minha existência:
eu me nego a viver como que por piedade ou por criatividade de um suposto serzinho metido a besta. Eu me nego a habitar um mundo cujas regras eu não possa jamais mudar. Eu me nego a acreditar na criatura mais terrível, mais injusta e menos intelectual de todas. Eu refuto deus, eu escarro na simples menção de sua existência. Eu detesto deus e suas implicações.

Detesto deus pois ele nos cegou e nos cega eternamente. A ideia de que deus existe nos leva a crer real, belo e fascinante o escuro de nossas pálpebras.
Abramos os olhos. O mundo é bom demais pra ter sido planejado.

sala d'eu

dói demais.
eu não consigo
caber em mim

sexta-feira, 21 de maio de 2010

o teto me contou

eu não sou normal o bastante para me sentir incluído
nem diferente o bastante para me sentir único

terça-feira, 18 de maio de 2010

the state that I am in

Nunca foi muito a minha cara estar otimista.
Mas eu avisei que era de mudar...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Projeto Escavação VIII (e derradeiro)

Pisa no meu pé.

Projeto Escavação VII

Eu te amo de frente, de lado, de cabo a rabo, com todo o respeito - te amo de noite, de dia, se gorda ou esguia. Pobre ou rica, te amo pra sempre, te amo de todos os jeitos, te amo, então fica...

Projeto escavação VI

Entre as mentiras que eu conto
Entre as verdades que escondo
Está lá o que sinto

Projeto escavação V

Eu gosto de quem ama e sabe o que tem;
Eu amo o mundo inteiro, mas só se ele me amar também.

Projeto escavação IV

não há nada que mude
nada que mude
nada.

não há grito, não há lágrima.
eu choraria se pudesse;
mas já me recolheram as lágrima,
como que para privar-me da tentação
de viver a chorar.

eu entoaria uma canção,
se soubesse uma que se encaixasse;
eu sei canções de amor,
não sei cantar o desamor

no fim não hei de morrer,
não hás de morrer,
havemos de ser nós dois
como dois, não um.

Projeto escavação III

Never thought I'd feel such a liar;
Been foolin' myself...

Projeto escavação II

Eu vou deixar você no chão.
Vou subir até o céu.
E gritar "que belo céu"
Vou tirar o meu chapéu,
E dizer "adeus, então".

Não serei mais teu esposo;
Vou abandonar tua tirania
Fazer o que eu faria
Caso fosse corajoso

Vou lutar pra ser feliz
Querendo alguém melhor
Qu'está embaixo do meu nariz

Eu não era bom o bastante
Eu não era o seu perfil
Eu ficava na estante
No papel de inútil-viril

Eu era algo e não alguém
Mas eu fui sábio e fugi


O fim, ao cabo, é fim,
E o que termina mesmo é sempre assim:
Completo, ponto final;
Sem arestas, menos mal.

Projeto escavação I

FAÇA ALGO!
Diga que me ama, que me odeia; que eu grudei demais, que eu te larguei demais; que eu sou feio-chato ou que sua tua alma-gêmea.
Diga que se importa o bastante pra me corrigir, mas não me deixa sem saber.

preciso

Eu tento transformar a minha angústia e a minha solidão em algo visível. De preferência, em algo belo. Tento tornar palpável e compreensível o que eu sinto, ou pelo menos tenho essa pretensão. O alvo das minhas frases é sempre o ponto mais esquecido do coração de quem lê.

... mas e quando eu tiver medo de escrever o que eu sinto?

Não me culpe pela sua desilusão

Eu nunca disse que eu era bom.

terça-feira, 11 de maio de 2010

to be at leso

I'm somewhat of a nowhere man who was once led to believe not to be lonely.

- nah, they've just fooled me once, fooled me twice. but not again.

autocrítica forçada

quando sair, vou bater a porta;
virar a chave com força,
deixá-la torta.

vou embora pela rua
sem olhar pra trás,
sem lembrar que já fui tua
- que se faz?

tomo o trem
que me leva pro além;
além do ir embora,
me leva para fora;
para fora do teu ser,
onde não possas nem me ver

me enganaste, e duas vezes.
como cega acreditei
nas mentiras que contaste:
não percebia o contraste
entre o que acho e o que sei;
te amei:
achei que estava livre,
mas eu me via enjaulada.

enfim,
some da minha mente
desiste de ser gente
tu és mau

segunda-feira, 10 de maio de 2010

tão

você não precisa fingir
que gosta de mim
que entende meu jeito
que eu sou bem aceito
- que me gosta assim
imperfeito

quinta-feira, 6 de maio de 2010

isso se chama...

Parece que eu acordei de um sonho.

E nesse sonho eu sonhava que acordava de um sonho.

E nesse sonho eu sonhava que acordava de um sonho...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

(n)o fim se vez de inválido

Levantei hoje meio frígido
Como se estivess'estático
Mas fiquei logo meio lépido;
Acordei num banho rápido,
Vesti-me com tremenda prática,
Saí para o complicado tráfego,
Tomei o transporte público
No ponto logo ali mais próximo.

O ônibus sacudia trêmulo
E o cobrador me encarava pálido
Como se nunca visse psicólogos
Lendo livros esotéricos;
Ele tinha muita prática
Em receber moedas mínimas,
Em contagens das mais básicas.

Quando saltei do veículo
Tossi minha tosse asmática
Expeli a fumaça tóxica
Que espalhava o ônibus.
Expulsei a poeira ínfima
Antes que chegasse no meu cérebro

Dei um trocado a um bêbado;
Embora uma quantia irrisória,
O suficiente para um lanchinho medíocre,
Se ele não gastasse em cachaças paupérrimas,
Servidas em garrafas plásticas
- aliviou minha consciência...

De volta ao meu caminho sistemático
Eu andava em passos tímidos
Temia chegar em tamanho êxtase
Para ver-te como vi na véspera,
Para beijar-te os lábios úmidos
E deixar-te querendo o último
Dos nossos beijos mágicos

Tropecei na mesma lajota típica
Meu tropeço diário
Embora eu achasse aquilo o cúmulo
Todos achavam hilário...

Estava à frente do edifício
Mas ele era quieto como cemitério
Não havia viv'alma naquele prédio
Não havia nenhum mistério:
Após tal jornada épica
Não veria minh'alma gêmea;
Saí com tanto estrépito,
(pra a ver estava histérico)
Esqueci, mas que estúpido,
Que era
um domingo

cinco vértices

-Voa
--Alado
---Meu coração
--Coitado:
----O castigaram...
-Entoa,
--Amargurado,
-----Uma Cantiga
-----Antiga;
-----Ensinou-me minha amiga.
-Amiga boa,
--Deixava-me encantado;
---Com o toque de sua mão,
---Seus conselhos de irmão,
--Fazia-me amado...

---Anos vêm e anos vão,
----Agora só sobraram
-Imagens à toa
---De tempos que não voltarão.
----De abraços que não voltaram
---E sorrisos que não virão.

-----Eu quero a minha amiga
---Não aceito ouvir um não;
----Digam que me encontraram,
---E que ainda ouço sua canção;
-Que ela ainda soa
---Nos meus sonhos e no meu coração.

terça-feira, 4 de maio de 2010

dominical

Deita do meu lado;
Apaga a luz;
Deitei do lado errado;
Mas azar!, pois corpos nus
Abraçam-se bem forte,
Não ligam para a sorte,
Nem ligam se fazem jus
Ao acaso de terem estado
Rolando pela cama
- respondendo à voz que os chama...
Acaso que os impele
A enroscar-se feito um nó:
Boca, olhos, cabelo e pele
Tudo é uma coisa só
E ela que não vá embora;
Porque o mundo lá de fora
- por mim que vire pó

lápide

e se eu enterrar meu rosto nas minhas mãos frias, num quadro borrado de cinza e azul, quem vai me devolver a vida...?

quinta-feira, 29 de abril de 2010

I'll get you in the end

e aí eu vou morder o teu rosto e a tua cabeça, vou cheirar cada fio de cabelo teu, vou beijar cada centímetro de pele descoberta, vou te incomodar com as canções mais tenebrosas, te confundir com as ideias mais absurdas, te contar histórias aumentadas mas engraçadas, te esquentar, te abraçar, te sacudir o tempo inteiro, mais pra eu mesmo ver que não estou sonhando...
ah, eu vou adorar cada segundo!

- seja lá o que eu for pra ti, eu quero ser o tempo inteiro.

Rhythm

Boom bap-a-bay-boom
Batabataclavu
Boom bap-a bap-a boom
Batapatapatu


E se não faz nenhum sentido,
É porque tu escutas com o ouvido
Aprende a ouvir com a tua alma
O ritmo do que eu digo;
Escuta aqui comigo
O ritmo da chuva que cai...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

fiz as pazes

Hoje eu acordei sorrindo.
Porque fui dormir sorrindo.
E no meio da noite me acordei sonhando.
Com o teu rosto a me encarar, brilhando.

Quase uma esperança pra um dia bom que viria
E que bom que começou e foi meu dia...
E quando nos despedimos, um beijo me rendeu
- foi o mais doce que alguém já me deu.


E é bem verdade que a cada dia eu me transformo, eu metamorfo, eu me iludo, então mudo tudo e desiludo todo mundo.
... mas eu sempre acordo vestindo o meu sorriso e olhando pros teus olhos.

(então nem te esforça em entender
porque eu durmo de lado
e acordo revirado
só peço pra aceitar)

domingo, 25 de abril de 2010

briguei comigo

Não! Não quero me enganar, me bastam de mentiras! Eu não aguento mais cair devagar. Se é o pro fundo duma cova fria que eu vou, que me joguem logo de ponta, que parem de tortura. Diz que me odeia.

DIZ QUE ME ODEIA!

Que não quer mais saber de mim. Me tira da cabeça, me tira da cabeça, sai da minha cabeça! Brabo, eu brado, como bravo com meu braço abraçado no teu espaço. Que estúpido, acha que sabe o que faz. Diz pra mim, diz que eu sou estúpido e que estraguei tudo em que toquei.
Como Midas ao contrário, acabei com toda a beleza de todos os lugares, com a pureza de todas as pessoas, com a esperança de todos os ideais. Tudo que eu toco dá errado e fica feio. Tudo que eu faço dá errado e fica feio. Eu não aguento mais ser eu mesmo, eu não aguento mais não ser quem tu quer que eu seja...

Me perdoa por ser tão ruim.
Me perdoa por ser assim.

dar bandeira

The Cardigans - And then you kissed me II

"Oh, you, you, it's always you...
The best kisser that I ever knew
True love is cruel love
Not much to be proud of
Nerve-wrecking, acrobatic backwards bend
All for a happy end

- it's a mystery how people behave
How we worry ourselves to the grave
When she kissed me I lost everything
Then I got up and did it again"


eu adoro
o perfume
do
teu cabelo

sentido

Ouvir de verdade é abstrair.
Enxergar de verdade é asbtrair.
Abstrair o zumbido, o inútil, a névoa.

Captar o invisível é enxergar melhor que captar o desnecessário.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

ela é praticamente boa demais pra ser minha.
cuidado

segunda-feira, 19 de abril de 2010

kicking it

lá se vai tudo que eu criei, tudo que investi.
todas as palavras, promessas, olhares, cartas, depoimentos, beijos, abraços, vídeos, fotos, momentos tensos, momentos intensos, momentos engraçados, momentos chatos, momentos infinitos, ideias, planos, convites, papos, apoios, cafunés, noites, dias, meses, anos.

lá se vai o meu amor,

e eu não dou a menor bola...
Cada rosto é um museu
Gosto de visitar o teu.

Por quê?

Você lê, relê, talvez goste ou desgoste. Talvez não ache nada. Mas está aqui, quase fielmente. E (isso é uma tendência) não entende do que diabos eu falo e por que eu falo. Acho que devo uma explicação, ou, mais provavelmente atingível, uma confusificação. Acho ainda que o formato mais adequado e fácil de compreender é uma de uma entrevista, ou de um FAQ. (eu tô rindo alto com a minha pretensão)

Por que o nome atual e por que o nome anterior era tal, e por que ele foi trocado?
Primeiramente, o nome (atualmente) deste espaço é "The fool's hill". Digo isso porque ele pode mudar a qualquer instante, sem aviso prévio. É uma referência completamente óbvia a The Fool on the Hill, dos Beatles. Acho que, de certa forma, eu sempre me senti um pouco aquele tolo solitário referido na música. E, de certa forma, ninguém me escuta, ninguém se importa em não entender o que eu digo, ninguém parece se importar em fingir gostar de mim, e eu não consigo dar muita bola pra isso. Eu acredito no que eu cultivo e eu cultivarei por muito tempo.
Anteriormente, o blog se chamava "La lluvia", o que remetia à minha identificação com precipitações pluviais, nuvens e coisas do tipo. Eu me sentia um pouco espalhado pelo universo, como uma rede que colhia muitas coisas de muitos lugares - e que eventualmente jogava tudo de volta, digerido e recomposto, em pingos refrescantes.
Como eu ando um pouco introspectivo, autista e menos incomodado com o que se pensa por aí, me voltei pro meu lado fool on the hill e estou feliz com isso.

Por que a frase abaixo do nome?
A frase é "Eu quero é que o meu canto torto, feito faca, corte a carne de vocês". A autoria dela é do Belchior, mas eu me adonei dela e tomei a liberdade de mudar um pouquinho (mas sem tirar o contexto). Acho que ela reflete bem o meu objetivo ao escrever, falar, cantar, declamar...

E qual é esse objetivo?
O objetivo de tudo é causar uma reação introspectiva. O real objetivo de eu escrever qualquer coisa é querer que quem leia chegue a alguma conclusão. Não a conclusão que eu cheguei, ou que eu espero que ela chegue - mas a sua própria conclusão, embasada nos seus contextos e na sua subjetividade.
Eu busco, modestamente, causar um mínimo de comoção, um mínimo de emoção, para despertar algo dentro de qualquer um. Busco atingir o potencial de ação de algum leitor atento.

Então o objetivo é simplesmente "tocar" as pessoas? A beleza estética não é um objetivo?
Pode-se dizer que a beleza (ou o que eu considero belo), ou a proximidade da beleza pode ser encarado como um atalho até os sentimentos de uma pessoa. Mas ainda assim, o objetivo é penetrar nas muitas camadas que compõem um ser pensante e culturalizado e aitingi-lo no âmago na questão, se permite a linguagem bizarra.

E quando isso acaba?
No dia em que eu cansar. O que deve demorar.


Em caso de dúvidas, entre em contato. Ou fique com as dúvidas.

tá me fazendo gostar

Eu cansei de tentar rimar, se o meu peito não fala em rima - ele só fala em ritmo. Então vou falar por linhas rasgadas secas, não menos valiosas ou sinceras.

Não houve (e não há) motivos pra eu querer me enganar, nem pra eu querer enganar quem quer que seja.


... mas bate
no meu peito
uma vontade de ser
quem quer que seja
que não seja sozinho.

Grita em meu ouvido,
escreve em minha alma,
pinta em minha pele,
um desespero por ser
teu.

Ferve (e ferve mesmo)
meu sangue, só de pensar em um instante perfeito, expulsando o mundo inteiro da minha mente, enxergando apenas teus olhos (aliás, eu devo uma ode divina aos teus olhos) na frente dos meus - e sem querer ver mais nada
eu não quero mais nada hoje

sexta-feira, 16 de abril de 2010

súbito óbito do débito

Mesmo sabendo que é a coisa errada,
Eu tendo a fazê-lo, quase que buscando uma condenação.

Mesmo sendo uma tremenda enrascada,
Muitos o fazem - e quantos mais 'inda farão?

[cada vez mais próximo do meu ideal libertador antipsicopatológico, crendo na singularidade e não na normalidade. Porque se eu fosse normal, eu seria você, ele, todos - menos eu. Se eu fosse normal, eu não seria vivo. Se eu seguisse as regras, eu morreria de tédio. Inferno. Eu quero é ser mais louco.]

domingo, 11 de abril de 2010

eu sou cheio de vazios

sábado, 10 de abril de 2010

dentro de mim, o belo está

E se alguém me perguntar
De que é que vivo - se é que vivo

Lhe responderei, sem titubear,
que vivo sou e que vivo de pensar
[e sou ainda mais vivo no meu pensar];
que apesar de não saber, de não poder contar
sei que estão lá, como ovelhas ao relento
as ideias no meu pensamento
- e como seu pastor,
as zelo com amor.

imaginação é o poder de desenhar
com cores e tintas que se cria
a imagem de um luar
embora ainda raie o dia

e embora ainda raie o dia
a noite há de chegar
e por saber que ela viria
imaginei saber raciocinar

[
penso dever pedir perdão
se te soam minhas descobertas
com certo ar de pretensão
é que me fazem tal sentido, me dão tal compreensão
que só podem estar certas.
]

agora voltando ao devaneio,
admita ser difícil conceber
um cérebro demasiado cheio,
recheado de saber,
entupido de lembranças.
isso porque a mente
de aprender não se cansa;
maravilha incoerente!

ideias são pedaços de verdade
mesmo que verdade parcial
verdade de apenas uma metade
mas uma verdade, afinal!

e se as ideias não dão certeza
se não falam uma só linguagem
e se ainda somem feito miragem...
- é aí que mora a sua beleza

pois fáceis por fáceis
já me bastam as palavras - incompletas, vazias, cegas-mudas cúbicas;
quanto às ideias
eu as quero tão difíceis quanto únicas

todavia, no entanto. não obstante. entretanto

Embora eu saiba que nada vá ser perfeito; embora eu saiba que a paixão vá acabar, que a luz vá diminuir, o calor vá esfriar. A desconfiança chegará, as palavras não dirão o que eu espero delas. Os olhares não se cruzarão com tanta frequência, e nem com tanto desejo. Embora eu saiba que tudo vá mudar, e não só a lua, a maré e o meu humor; embora eu conheça e reconheça todas as possibilidades de tudo que pode dar errado (e provavelmente dará),
eu ainda assim quero tentar.
Vamos?

terça-feira, 6 de abril de 2010

pronto! II e derradeiro

Eu quero é ser igual a mim. Copiar a minha originalidade.

Meus trejeitos são perfeitos. Dizem o sujeito de que sou feito e de que jeito.
Minha língua é afiada, envenenada, e só fala de mal e bem. Para falar de coisas à toa, falar dele ou dela, procure a de outrem.
Meu corpo é uma extensão, é um empréstimo, uma alegoria ao que deveria estar escrito na frente do que quer que eu fosse.
Meus olhos nunca fintam o nada - podem fintar o infinito, mas nunca o nada. Meus olhos não fecham, meus olhos não piscam. Não são faróis ou janelas, são declarações das mais singelas.
Minha mente é compulsiva; ela corre, para e volta, dá a volta e vai de novo. Pensar demais, se fosse um defeito, eu o teria.

O ar que eu respiro me basta, se ao lado meu tu respiras.

Eu, seja lá o que for, eu sou feito para ti. Para estar junto de ti. E não me bastam palavras, não me bastam canções, ritmos, rimas ou ações, pra dizer o quanto eu te amo.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

/|\

Amor sem respeito não é amor.
Amor sem paixão não é amor.
Amor sem admiração não é amor.


Amor sem respeito é relação de humilhação, subordinação. É uma relação desigual, vertical, em que um monta nas costas do outro e o domina. O respeito é o contrato que impede a traição, a mentira e todo tipo de artimanha e enganação.
Amor sem respeito não é amor. É um de pé e outro de joelhos. Como foi da terceira vez...

Amor sem paixão é uma amizade retumbante. É amor de irmão, de colega; amor solidário, que dá a mão mas não os lábios. Amor sem paixão é morno, requentado e sem sal. Como foi da segunda vez...

Amor sem admiração é uma disputa. Um ocupa o espaço do outro, e ambos se degladeiam sem objetivo algum, buscando expandir suas fronteiras de influência. E, no amor de verdade, essas fronteiras são invisíveis, mas existem - e são cumpridas. Aqui, os amantes sobem um nas costas do outro, mais para empurrá-lo para baixo que propriamente para subir mais alto. Amor sem admiração é uma queda de braço. Como foi da primeira vez...


O amor só é pleno e sustentável se possui o tripé bem equilibrado e com boa manutenção. Não adianta tentar compensar a falta de admiração com o excesso de paixão - o tempo há de cobrar o seu preço.

Por isso, escolha bem, de olhos abertos, para não ter que escolher de novo, e de novo, e de novo...

domingo, 4 de abril de 2010

nada banal


eu acordei sentindo muito.
eu sinto mais que muito.
eu não quero viver no arrependimento, eu não quero viver no vácuo do que poderia-ter-sido-mas-não-foi
eu não quero viver de lembranças, desesperanças e fotos rasgadas.
- mas eu respeito o que um dia foi a coisa certa a se fazer.

guinada

I'll probably make you cry
just for the hell of it

e eu nem vou precisar mentir, eu vou ser sincero. isso é o mais estranho. é inexplicável o saber de todos os atalhos. como uma flecha fulminante assassina eu sigo uma trilha predeterminada, já aberta por outro desbravador qualquer, mal-esquecida por quem quer que tenha sofrido...




e eu já nem sei do que queria falar, porque só sei pensar é nela.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Writ II

eu nunca mais farei
o que eu fiz um dia:
fingi que era lei
fingir que não te via

domingo, 28 de março de 2010

corny

You know I can't sleep beside you,
you know I can't close my eyes...
I know you wanna kiss me too,
I know you can't stand the lies we tell

we know they'll never understand
they'll never take me as your man

Are you ready to move on?
Are you willing to be mine...?

domingo chuvoso

Pensando de certa forma, ouvindo os acordes e as palavras corretas em uma ordem e em um ritmo convenientes, mergulhei em uma cadeia de pensamentos talvez não muito originais, nem muito impactantes - mas eu nunca disse que seria original ou impactante.


A busca por uma resposta satisfatória às questões da vida nos remete a diversos caminhos, diversas escolhas filosóficas/religiosas, que vão moldando (e sendo moldadas pelo) nosso entendimento e nossas crenças. Aliás, convém relembrar o que é acreditar, o que é crer:
Acreditar - ter fé, autorizar, dar crédito
Crer - dar fé a algo, julgar, supor, ter para si.

Interessante notar que em ambas definições - e especialmente em "crer" - não se apresenta uma certeza, um saber incontestável. Crer não é buscar uma resposta. Crer é contentar-se com uma explicação apresentada, que exprime aquilo que o sujeito espera e demonstra certa lógica funcional.
Pois se crer não está relacionado com uma busca, não está relacionado com o movimento da busca; logo, o ato de crer não impele o sujeito a descobrir mais (em especial porque muito provavelmente novas descobertas desvalidariam a crença anterior). O ponto é: acreditar em algo impede a existência um pensamento crítico, impede o surgimento de novas verdades comprováveis e leva à estagnação.
Obviamente, o termo crer (e as consequências de crer) não se aplica somente à religião. O senso comum é uma forma de crença. Uma crença na lógica da maioria, que nem sempre corresponde à sistemática das situações reais.

Baseado em crenças e em fé, a tendência é de um homem contente consigo, com suas respostas e com seu "conhecimento" (ele pensa saber a verdade). Esse homem não buscará provas, não buscará resoluções, fórmulas, teorias explicativas, experiências etc.
Insisto no ponto crítico de que crer não é saber. Crer é ter para si. É uma verdade íntima, subjetiva, de difícil (ou impossível) comprovação.

Outro ponto interessante é a fragilidade de qualquer crença. O surgimento de todas as religiões e teorias envolve um pensamento lógico. A história clássica do cristianismo (como exemplo palpável) é lógica - ela faz sentido, não se contradiz. Todas as histórias contidas nos livros e na mente dos crentes são histórias possíveis, com gente que parece de verdade, com atitudes realistas e um grande apelo popular. Ou seja, é possível encarar essas histórias como sendo verdadeiras, se deixarmos de lado a ideia de buscar fontes confiáveis, dados históricos etc.
No entanto, tão lógicas e encadeadas quanto os contos do catolicismo, são as bases do Pastafarianismo, ou crença no Montro do Espaguete Voador (http://pt.wikipedia.org/wiki/Flying_Spaghetti_Monsterism). Lendo e relendo toda a história do Monstro do Espaguete Voador (doravante chamado de FSM), é possível notar a lógica e a força embasadora do seu discurso. Se crer é ter para si, não é viável impedir que alguém tenha para si que o FSM criou o Universo, começando com uma montanha, árvores e um anão. As histórias do FSM, de Jesus e de qualquer outra religião têm o mesmo poder e a mesma força. Nenhuma delas se apresenta acima ou abaixo de outra, numa escala medindo quão verossímil é a teoria. Pois se é a fé que sustenta cada uma delas (e é apenas a fé), então a fé, como matéria subjetiva que é, não pode ser minada ou criticada - apenas respeitada.

Isso não é um manifesto antirreligioso.

tá me rescuando ri, eu rio junto

Beijo que queima, que arde, que pede pra ser beijado. Mistérios bem escondidos atrás de um sorriso. Enigmático. Tentador. Genuíno. Original. Único, perfeito, alegre, o que eu quero pra mim!

Conversas infindáveis sobre os mais levianos assuntos. Das cicatrizes da vida à irresistibilidade de um e do outro. Da minha fraqueza, da tua superação; das minhas conquistas, das tuas derrotas...

Briguei comigo mesmo para fazê-lo, mas agora feito, parece a coisa certa. Tê-la feito é só umas das barreiras rompidas que nos levam a grandes saltos.

Eu juro de pés juntos, eu posso fazer dar certo. Para sempre, para o tempo que durar - mas, especialmente, certo agora.

quinta-feira, 25 de março de 2010

pelos cotovelos

Conte-me do seu dia, fale mal do chefe, do professor, do cobrador do ônibus. Reclame do preço do arroz, do formato das portas, do jeito como as pessoas sempre nos julgam, do gosto da comida do restaurante barato onde você almoça todos dias... Desconte em mim todos os problemas do dia, da semana, da infância e das vidas passadas. Diga quão mau seu pai era, como sua mãe não deixava você repetir a sobremesa, ou como seu irmão sempre bateu em você...
Esteja braba, furiosa, irritada, e me conte tudo. Fale, fale, fale muito. Mesmo que braba com o mundo, com o cabeleireiro e com o seu ciclo, me conte tudo que puder.
Não pare de falar! Se acabarem os seus assuntos, fale de futebol, de política, de religião, de economia - mesmo que não entenda nada de nada.

Apenas peço que me perdoe por não me deixar contagiar com tua irritação - eu só quero mesmo ouvir tua voz...

segunda-feira, 22 de março de 2010

do lado de dentro

Atrás do giro do cíngulo, perdido em algum lugar no sistema límbico, recebendo bombas incessantes de hormônios, impulsos (nervosos) irrefreáveis... sudorese, nervosismo, medo, insegurança, plenitude (...) conferidas pelo trabalho incansável da amígdala, do hipocampo e (até mesmo) do hipotálamo.

Escondido atrás do septo, fingindo que é este que a controla, fingindo acreditar em toda essa parafernália neuroanatômica, em todo esse engodo determinista e anti-humano por definição...

De fato, fora de qualquer livro que comece com "neuro" ou termine com "funcional", fora de qualquer guia que qualquer médico há de ler; fora de qualquer enciclopédia; longe do conhecimento humano, por sua extensão, sua força e persistência - ali jaz o amor. O meu amor. Por ti.

domingo, 21 de março de 2010

por cima do ombro.

Pro inferno com o lirismo, com o comodismo, isso-aquilismo! Pro inferno comigo.
Sentimentalismo, melismo, charminho e palavras doces. O fim vai desabar logo, e eu quero ter sido eu mesmo. Não uma metáfora, não uma analogia, não uma piada ou uma convenção social. Não quero ser um sucesso, um estouro, um párea, um criminoso ou alguém a ser admirado. Não quero ser nada mais que eu mesmo, seja nada, tudo ou muito pouco - tendendo a ser a última.
Não quero ter saídas, ter caminhos a escolher. Não quero ritmos, respirações apressadas, nostalgia, músicas-de-amor, dores, sofrimento, calor; não quero aspirar a nada. Nada mais nem nada menos. Porra, eu só queria ter sido teu...

tá me restando... tô também.

De que me adianta toda a graça, todas as palavras, todos os métodos e antídotos? Os olhares, assuntos, sonhos...? Tudo que eu sei que sou - tudo que dizem que sou -, nada basta. Nenhuma segurança, nenhuma certeza aguenta isso.
De que me adianta toda a aprovação do mundo, se os únicos olhos que desejo me fintam com desprezo? A minha confiança termina onde começa teu olhar...

quinta-feira, 18 de março de 2010

r e começo

Eu não sei se eu senti errado,
Mas eu acho que é de verdade,
Que mesmo andando de lado
Eu achei minha metade.

É só uma dica
E bem superficial;
Aqui ela fica
- não a leve a mal.

"
Não dite regras, não invente um jogo.
Não dite regras, eu fico louco.

Ande para frente, dando-me a mão.
Seja positiva, de mente e atitude:
Diga sim, mesmo que seja não.
Nunca fuja; nunca nunca mude.

Eu? eu não sou dramático
Comigo não há briga
Não há truque mágico
E nem por que torcer e fazer figa

Sou de uma e uma de mim:
Divisão simples, sem resto.
Traições, mentiras, dúvidas enfim,
É tudo muito falso - e eu detesto...

Eu só quero companhia
E alguém par'abraçar
Contigo, eu os teria?
É só dizer hora e lugar!

Não me mude,
- não creia eu vá ser alguém que nunca fui
E nunca pude

Eu sou torto de nascença,
E minha dor é me ajeitarem
Como se fosse uma doença:
Então peça que eles parem!
"