domingo, 26 de setembro de 2010

T-1. Quinta-feira

Hoje sentado no coletivo veloz, pensava mal-humorado nas desgraças que visavam me derrubar. Encostado na janela, eu viajava mais rápido que o ônibus.
Minha mente transcendia a grande lata de sardinha e só o que eu queria era que o lugar ao meu lado se mantivesse vazio. Ah, que nenhum miserável ali sentasse para roubar meu ar, minha privacidade ou tudo aquilo que nossos vizinhos de banco nos tomam...
Assim, eu fitava a roleta com o olhar mais repelente e odioso que conseguia. Homens, mulheres, moças bonitas, moças feias; a todos eu exibia meu olhar de desprezo e desgosto. Que nenhum deles ousasse sentar do meu lado!
O ônibus meio vazio contribuía para meu sossego. Aterrorizadas, as pessoas fugiam do meu olhar de ódio e davam graças por poderem sentar longe de mim, em outro lugares vazios - e a isso eu dava graças também.

Eis que subiu nas barulhentas escadas uma senhora. Gorda! Com seu suéter amarelo, parecia um gigantesco quindim. À senhora gorda, exibi o mesmo olhar repulsivo que às demais pessoas. Devia haver mais dois ou três lugares, todos também ao lado de outros. A senhora gorda, no entanto, não se intimidou com minha carranca. Deslocando quantidades colossais de ar e dispendendo tantas calorias quanto um almoço de domingo em família poderia prover, ela passou a roleta e caminhou até o lugar onde eu estava.
Distraído no meu pensar-em-odiar, ouvi muito longinquamente uma voz que reconheci dizer "dá licença". A enorme madame sentou-se ao meu lado e, durante esse processo (que, dadas as proporções da rapazola, demorou algum tempo), só pude pensar em como eu queria que ela virasse açúcar de confeiteiro, fermento, ou qualquer outro ingrediente de sua preferência.
Mas a dona Quindim manteve-se como dona Quindim. E, ao sentar, encostou sua perna na minha. Eu quase chorei. O contato daquela coxa morna, macia e desumanamente grande na minha despertou algo de maternal, aconchegante e relaxante.
Nos dez minutos seguintes, só fiz buscar mais contato, mais calor. Mexia-me em meu lugar, criando um atrito acalentador com minha salvadora roliça. Meu rosto permanecia gélido, impassível, mas eu me aproximava cada vez mais dela.
Pois não é de se espantar que na primeira oportunidade ela levantou de um pulo e se enfiou em um banco sem vizinhos para se esfregarem nela.
E ainda deve ter pensando "esses guris tarados", o quindim.

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6 comentários:

  1. Ótimo, achei muita graça, hahaha.

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  2. o tarado do metrô ataca novamente, disfarçado como o tarado do ônibus

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  3. Não achei engraçado. Achei sarcástico, triste e muito bom.

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  4. Esse seu conto, de tão sarcástico chega a ser engraçado. O teu modo pessimista de ver a vida as vezes traz implicito a comédia ^^

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  5. Gostei muito,não sei,achei bonito.
    Gostei de ler algo mais...pessoal por assim dizer.

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