terça-feira, 29 de março de 2011

das coisas que mais gosto
é lembrar que, mesmo longe,
tu ainda gosta de mim.

quarta-feira, 23 de março de 2011

mousse chinês

Nunca gostei
de mousse de maracujá

- até o dia que te provei.

terça-feira, 22 de março de 2011

ecoar

Eco na sala
TV ligada
Ecoa na sala

Sofá na sala
TV brilha no sofá
Brilho trêmule no sofá

Garoto sentado no sofá
TV brilha no garoto
Brilho trêmule no garoto

Garoto não assiste à TV
Ele pensa na distância
Eco no garoto
(depois de meia hora, ele desliga a TV e escreve pra ela.
agora ele ecoa no papel)

visitas

Se eu te mandar uma carta,
Espero que me vejas dentro dela.
E se de palavras já estás farta,
Me espera de olho na janela.

Visita-me naqueles sonhos bons;
Repletos de abraços infinitos,
Dos quais acordo com agito,
Tentando ouvir teus sons.
brinco com palavras
pra fingir que brinco contigo.

desbotar

bem cedo de manhã,
ou então ao anoitecer,
o céu é cor-de-rosa;
o teu cabelo cor-de-rosa.

o céu bota e desbota,
mas de tarde é sempre rosa;
o teu cabelo cor-de-rosa
colore minha parede

teu cabelo se mudou,
deixou rosa minha parede;
minha parede já desbota.

teu céu é sempre rosa.
meu céu ainda é rosa
(durante o dia inteiro)
saudade do teu cabelo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

O primeiro dia frio do ano

O ônibus sacolejava, quase vazio, seguindo a tortuosa avenida com sua luz opaca. Os faróis eram ainda menos visíveis e iluminavam ainda menos graças à pesada chuva que caía. O coletivo freava, de parada em parada, abria suas portas, esvaziava-se um pouco mais, depois seguia viagem.

Sentado em um banco, ele olhava atento para fora. Carros passavam velozes, levantando a água do asfalto. Vira-latas sacudiam-se sob toldos de botecos. Pessoas corriam com jornais sobre a cabeça, fingindo acreditar que aquilo adiantava para alguma coisa... Era o que ele próprio chamava de um dia cinza.

O ônibus passou por um relógio de rua. O relógio alternou seu marcador para a temperatura. As pessoas no ônibus suspiraram e cochicharam: era o primeiro dia frio do ano. Repetindo um gesto comum nos últimos dias, ele abriu sua carteira; olhou para a foto dela. Aquele sorriso... Não, meio-sorriso; aquele meio-sorriso da foto flertava com sua saudade. Deixava-o mais triste, mais impaciente - com mais saudade.

Arrepiou-se. Era o primeiro dia frio do ano. Mas para ele, foi o dia mais frio do ano.

quinta-feira, 10 de março de 2011

ponto final ou ponto e vírgula? fomos uma exclamação

- Tu não precisa ir - disse de uma só vez.
Os olhos dele brilhavam, marejados de lágrimas suplicantes. Segurava firme a mão dela. Ela tinha o olhar ainda seco (quase uma fingida indiferença), mas uma lágrima fugitiva correu até sua boca e ficou presa na volta do seu lábio. Ela a secou com a outra mão, constrangida. Odiava despedidas em aeroporto mas, daquela vez, sentira a necessidade.
- Tu sabe que é o que eu sempre quis. Tu sabe que eu sonho com isso. Não é justo pra ti.
- O que não é justo pra mim? - foi a última coisa que ele disse para ela (e arrependia-se disso todas as noites depois daquela, quando pensava em frases que devia ter dito).
- Querer competir com isso tudo. - ela respondeu simplesmente - Mas se tu fosse um sonho, eu iria atrás de ti - piscou tolamente com um olho. Tinha o péssimo hábito de tentar amenizar situações não-amenizáveis. Sempre sem sucesso.
Ela puxou a mão. Ele não soltou. Ela sorriu tremulamente, contendo bravamente o choro, e escorregou seus dedos para longe dos dele. Virou-se de costas e caminhou em direção ao portão de embarque.
Descambou a soluçar antes mesmo do raio-x.

Ele ficou ali parado durante quatro ou cinco minutos, olhando para a porta por onde ela havia passado sem sequer olhar para trás. Secou os olhos, que ainda choravam pesadamente. Chorariam por mais algum tempo. Girou lentamente e cambaleou até o ônibus. Saltou do ônibus e cambalou até sua casa. Cambaleou durante meses, mas hoje anda ereto.

terça-feira, 8 de março de 2011

rotinando

Eu tento dormir.
Durmo, acordo, bebo água, durmo e acordo.
Levanto, saio, entro, vou e volto.
Como, bebo, reclamo, como, bebo, elogio, como, bebo, bebo e bebo.
Lembro, perco, esqueço, encontro e xingo.
Caminho, corro, caio, levanto, caio, rastejo, levanto e sento.
Assisto, discuto, converso, leio, escrevo e morro de saudade de você.

... e tento dormir de novo.

domingo, 6 de março de 2011

cliente exigente

Passei na frente de um bar. Bar é demais: boteco. Passei na frente de um boteco.
Um boteco com cheiro de boteco: aquele aroma característico de cerveja derramada no chão e jamais limpa.
O azulejo da parede do boteco era daquele branco-geladeira (ou o que a maioria das mulheres define como "gelo", mas que os homens são incapazes de diferenciar de "branco"), amarelado pelo tempo e pelas infinitas tragadas de cigarro de seus frequentadores.
O chão era um mero concreto, sobre o qual não se tivera sequer o cuidado de colocar um piso.
O único cuidado ali era com a mesa de sinuca: sob os pés da mesa, pedaços de pano para não danificar a madeira. Sob um dos pés da mesa, ainda um pedaço dobrado de jornal, para compensar o chão que era torto.
Uma televisão, cuja sintonia era auxiliada por um pedaço velho e enferrujado de esponja de aço, mostrava um jogo de futebol da segunda divisão do campeonato estadual.

O boteco tinha cheiro, aura e alma de boteco.
O boteco sorriu para mim.

sexta-feira, 4 de março de 2011

circunstancial (2)

Circunstancial é a vida.
Circunstanciais são as decisões.
As viagens, os planos, as amizades, as escolhas, os caminhos

Circunstancial é a pedra, as queda e o machucado.
É a lambida na ferida, é o remédio, é o veneno.
Circunstancial é a lágrima, é o sorriso.

Circunstanciais são eles, elas, as coisas, as não-coisas, o ser e o não-ser.
Circunstancial é todo o resto.

Eu e você, nós somos o destino.

ficção

Às vezes me perguntam, e às vezes me pergunto
Se é errado, se é feio ou se é normal
Escrever sobre o real
Mantendo apenas o assunto.

Mudo uma frase, a entonação e a intensidade.
Mudo uma cortina, muda a cor dos olhos.
Mudo o horário, o cabelo e a cidade.

Modifico os personagens, a história e o cenário
Enquadro-os todos em uma fotografia
Surgida no meu mais profundo imaginário
- mas que, na hora, era o que eu via.

E que errado que é isso!, pensava eu.
Mas veio alguém pra me dizer que não.
"Não importa se aconteceu;
Uma vez que vai para o papel,
Vira ficção."*

*Créditos para o filme "Storytelling - Histórias Proibidas" (2001)

ébrio. solitário. desejoso.

Vem,

Vestida de
Passado;

Que te jogo pro
Futuro,

Que ainda vai

Chegar.

quarta-feira, 2 de março de 2011

E talvez eu não tenha escolha