quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

La lluvia

Eu sou a chuva que cai;
Eu sou as folhas encharcadas de uma árvore;
Eu sou a gota que escorre da ponta do teu cabelo.
Sou o fim da inocência, ou o fim de alguma outra coisa.

Sou água fresca - para quem tem calor
E água gelada - para quem tem frio.

Eu mudo, não me mudam.
Eu molho, não me molham.

Inevitável como uma tempestade;
Inevitável como uma tarde de sol.
Sou bom, sou ruim;
Sou bom e depois sou ruim.

Você me diz como eu existo;
Me fala de temperatura-pressão-umidade-relevo-estação do ano...
Mas nunca saberá explicar. Por quê.
Aqui. Agora. Assim. Em ti.

Você, plantinha.
Linda plantinha.
Frágil.
Colorida.
- acho que chovi demais ontem à noite.
Afoguei o meu amor.

Que o sol seque as tuas pétalas,
E outra chuva te traga melhor sorte.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

gênero

Às vezes me digo mulher,
finjo ser garota;
talvez pra compensar
tantos dias disfarçado de homem.

Escrevo sempre "cansada", "apaixonada",
"calado", "sério" ou "faminto";
"alegre", "triste" e "feliz"
nos dias de indecisão.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ao contrário

Ela tinha um rosto irritante. Proeminente, provocativo. Irritante. Na medida do apaixonante.
E havia algo mais que essa modestíssima rima no rosto dela. De fato, ele rimava apenas nas palavras.
Tinha olhos pequenos; pequenos demais para se enxergar o que tinham por trás, talvez. Dissimulados, ora acastavanham-se timidamente, ora reluziam em verdejante verde escuro. No entanto, não posso reclamar que não me tenham sido sinceros. Nas gordas lágrimas que tanto vi caírem de seus cantos; no brilho, ao me ver - brilho que já quase nem lembro mais.
Seu nariz, anguloso, era o retrato oposto de sua personalidade - fazia Lombroso sacudir-se em sua tumba. Arrebitado, meticuloso, cauteloso. Não poderia ter menos dela mesma, por mais que fosse bem no meio do próprio rosto.
A boca, pequena, raramente fechada; aliás, quando fechada, me angustiava, me amedrontava, me gelava o sangue. Seus lábios finos moviam-se com facilidade, exibindo seus dentinhos afiados e sua língua vermelha. Dentinhos carnívoros! Não poderiam ser menos verdadeiros.

O que irritava naquele rosto era que podia ser belo. Era que instigava. Que chamava. Conclamava uma ode, exigia atenção, queria meu olhar e reclamava da distância do meu próprio rosto.
Ah, pequena face enganadora. Que o brilho dos teus olhos me deixe dormir pelo menos hoje à noite.

les gens

Essa gente toda
Essa gente tola
Parece chiclete grudado na sola do meu sapato
Essa gente grudada na sola do meu sapato.

Essa gente mesquinha,
Essa gente apressada,
Que corre de carro,
Pra poder chegar em casa,
Brigar com a mulher,
Bater nas crianças,
E olhar pra TV.

Sábia gente!

Não que eu seja muito diferente,
Mas também não que eu não pretenda ser.
Entende?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Migrei

Migrei pros sons.
Porque as palavras se repetem demais.
É "amor" pra cá, "dor" pra lá,
E a rima é tão difícil,
Que já me permito falar nas dores que não sinto,
Pra mencionar os amores que deveria sentir.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

incesto

De volta aos passinhos iniciais,
Somos bebês de mãos dadas;
Tropeço em meus pés desajeitados
E seguro em tua mão macia

Irmãos de diferentes pais,
Siameses de almas grudadas,
Gêmeos mal-datados;
Cada um nascido num dia.

Recomeços não são iguais,
E pode até não dar em nada;
Mas esses dias passados
Foram como eu previa.

Não sei como seria
Se não fôssemos namorados;
Se a vida, bem humorada,
Tivesse nos dado laços,
De fato,
Fraternais.

menina

E se nos olhares, nos favores e nas conversas sobre amor,
Eu te dei menos do que querias,
Não é porque te amo de menos
- é porque queres demais.

Se já tenho alguém a quem dedicar canções, lágrimas ou páginas,
Não é justo que reclames,
E que cantes, chores e escrevas
Que não escrevo, choro ou canto por ti.