sexta-feira, 5 de novembro de 2010

não

A luz do sol espalhava-se, mesmo não convidada, por toda a extensão do gramado; aquecia os corpos estendidos por ali, que conversavam, tocavam músicas, abraçavam-se. Eles, especificamente, se abraçavam, deitados na grama, escorados em uma palmeira que se estendia até muito alto - "alto demais", eles divagaram. Respiravam perto um do outro. Trocavam algumas palavras, conversando naquele ritmo tão próprio de suas tardes juntos. O brilho do dia refletia no cabelo dela, tingindo a cidade inteira de um preguiçoso e desbotado colorido.
Ele se enchia de uma espécie de orgulho bobo, mesclado com uma despretensiosa alegria, ao sentir o peso da cabeça dela no seu ombro. Sorria com o canto da boca.
Ela, com sua cabeça deitada sobre o ombro dele, pensava em algo que nunca saberei dizer o que era. Exibia em alguns momentos uma certa sobriedade, uma seriedade - tremendamente inapropriada para o momento. O garoto fingia não reparar.

Ela mexeu sua cabeça para perto do coração dele, e ficou ali, aparentemente ouvindo o ritmo dele.
- Tum... Tum... Tum... Tum... Até teu coração é preguiçoso, rapaz!
Ele abriu um sorriso meio canino, mostrando seus dentes pontiagudos. Encostou sua cabeça no peito dela e pôs-se a ouvir seu coração.
- Nossa, que que tu tem? Nervosa com algo?
Não obteve resposta que não fosse uma sacudidela impaciente de cabelo, como que para afastar o eco da pergunta.
- Tipo... Ok. Assim. - ela gesticulava muito com as mãos, o que o divertiu momentaneamente. Ela olhou feio para o sorriso dele, e ele o escondeu novamente - Eu não tô gostando do rumo das coisas, sabe? - ela agora gesticulava excitada, mexendo muito as mãos e a cabeça - A gente sai, se vê, coisa e tal, mas sei lá, falta alguma coisa. Não é nada contigo, eu é que não sei bem o que eu quero. Sabe? Eu quero uma coisa, e daí eu quero outra, e daí eu quero as duas, e daí eu não quero nenhuma; aí de novo as duas e com cobertura de kiwi - ele não riu da piada.
Ela agora olhava para ele com olhos de súplica, implorando que ele não quisesse mais detalhes de algo que ela não sabia nem explicar para si mesma.
O garoto não entendia. Mas sabia que era obrigado a entender. Calado, levantou-se, pegou sua mochila do chão, deu uma batida nela para tirar os pedaços de grama, jogou-a aos ombros e saiu caminhando, meio trôpego. Fez menção de olhar para trás uma vez. Mas nunca olhou.

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