quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Love me while you can

- Na real o George foi pra Índia, despirocou completamente e voltou de sandalinha de couro, querendo colocar cítara até em Parabéns pra Você - disse ela, de uma só vez, como que se tirando um enorme peso das costas. - Pronto, falei.
Ele a fitou por alguns instantes, com um misto de espanto e indignação. Suspirou para se acalmar e disse então:
- Se pra ti uma viagem de cunho espiritual, cujas consequências refletem até hoje no cenário musical é um "despirocar", então sim, ele despirocou afu.

A discussão seguia um molde predeterminado, repetido sempre que eles ouviam Revolver, dos Beatles, juntos. Ela mantivera aquelas palavras dentro da boca desde Love you to, a quarta música do CD, a qual ela classificava abertamente como "hipponga". E ele ainda tinha que cantar junto a letra da música! Parecia até provocação.
Agora já estavam em She said she said, a sétima. Ambos silenciaram. Era um acordo velado: She said she said era boa demais pra se brigar em cima. Ele batucava na própria perna; ela tocava uma guitarra imaginária. Aquela trégua ofereceria uma imagem engraçada a quem olhasse aquele casal, sentado no sofá da sala, com tantas regras implícitas em seus jogos. Tão logo começou Good day sunshine, ele fez uma careta e atacou:
- Bom mesmo é o Paul dizendo como a vida é bela. Bom dia, luz do sol, mimimi! Ridículo.
Ela acusou o golpe. Balbuciou algumas palavras de protesto, mas teve de concordar: Good day sunshine não podia ser séria. Ele fez uma cara satisfeita e pôs-se a batucar novamente. Acuada, ela fechou a cara e passou a cantar, com os dentes cerrados, "And your bird can sing, but you don't get me, you don't get meee!". Ele percebeu a belicosidade da situação, pegou o controle remoto e pulou algumas músicas, até chegar em Got to get you into my life.
Levantou do sofá com um pulo e parou na frente dela, cantando "Ooh, then I suddenly see you; Ooh, did I tell you I need you; Every single day of my life..." e rebolando ridiculamente. Ela abriu um largo sorriso e, antes que começasse Tomorrow never knows, já estavam rolando pela cama.

Um comentário:

  1. Legal, cara!
    Não acha que tá na hora de pensar em publicar, quem sabe numa coletânea, com outros "contistas"?
    Continue!
    Abração,
    MH

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