segunda-feira, 16 de maio de 2011

refém

Distraída, com seus fones enfiados fundo no ouvido. Caminha rápido, esquivando-se das pessoas na calçada. Amaldiçoa aquela gente toda e amaldiçoa o fato de estarem ali.
Ela se sente a menina a correr agilmente contra a maré de gente. Gosta de sentir-se assim; diferente. Veste-se diferente. Ouve músicas diferentes. Lê autores que ninguém conhece. Tem relações que ninguém entende.

Ela vê um braço, ao alto, do outro lado da rua, abanando. Procura o dono do braço no meio da múltidão. "Ah, não", ela pensa para si própria.
Ele atravessa correndo, sem nem olhar para os lados, sorrindo tolamente. Para na frente dela, espera pacientemente que ela tire os fones - e ela demora mais que o necessário. Ela não consegue evitar visualizar um cachorrinho que encontrou o dono. Dá um sorrisinho nervoso. É abraçada com força - sem retribuir. Livra-se do abraço. Evita fitar aqueles olhos tolos e sinceros. Aqueles olhos que ela já viu brilhar com sua presença, assim como viu marejados por suas palavras. Prefere admirar, com superioridade, a cafonice da camisa-polo azul-bebê que ele veste. Fala qualquer coisa:
- Quanto tempo...!
- Pois é né... Olha, eu só queria te dar um oi mesmo. Meio que tô com pressa, desculpa.

Ela não entende. Ele está com pressa?! Na frente dela, pressa?!
- Tu tem aula agora, ou o quê?
- Não, não... Tenho um... Encontro. Encontro? Ainda se fala isso? - ele ri.
Ela dá mais um sorriso nervoso, sem responder à pergunta.
- Encontro? Tu... Um encontro?
- É, pois é, eu sei. Um dia a gente tem que largar do osso, né? - dá uma piscadela, ainda sem parar de rir.
- É, não, legal. Eu só... Só achei estranho, sei lá. Mas eu me acostumo! - ela esboça um sorriso nervoso, mas sente-se tola. O que está acontecendo? Está se sentindo idiota na frente DELE?!

Passam-se, na cabeça dela, diversos minutos; minutos em que ela pensa no que representou para ele; no que ele já lhe disse, entre declarações, manifestos e pedidos - e nas grosserias que ela respondeu. Mas na verdade, são poucos segundos até que ele diga:
- Então, vou indo lá. Já tô até meio atrasado na verdade - ele olha para o relógio, naquele gesto instintivo de quem "tem que ir".
- Atrasado? Tu sempre foi de chegar até antes da hora! Tu mudou tanto assim?
- Há quanto tempo a gente não se vê mesmo...? - ele ri, jogando a cabeça levemente para trás. Ela nunca reparara como gostava daquela risada.

Após um beijinho ou dois, uma troca de "a gente tem que se falar hein", ele vai embora. Ela fica parada. Olha para si própria. Uma lágrima escorre por sua bochecha. Odeia-se. Odeia o fato de ele estar livre.
Ele não é mais refém dela.

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