domingo, 1 de maio de 2011

navegar

Apaixonei-me por um navio. Um navio que não tinha destino: tinha escalas.
Irreversivelmente atraída pelo navio, esperava ele dar suas voltas pelo mundo. Recebia-o em meu porto, com um abraço e boas notícias; despedia-me com um lenço em mãos, os olhos marejados. Mas o navio era ligeiro; nem bem via minhas lágrimas, saía buzinando rumo a outra costa qualquer.
Éramos felizes, quando juntos, mas não fazíamos promessas quaisquer um ao outro: era algo momentâneo, inocente, espontâneo, puro (ele gostava de usar essa expressão).

E assim se foram anos. Eu esperava o meu navio. Ele atracava no meu porto, mas logo ia embora, deixando-me às lágrimas - sem sequer notar.

Quase acostumado a essa rotina de reencontros, despedidas e indiferença, um dia recebo uma carta. É do meu navio. Ele se foi há uma semana, e já me manda uma carta?! Rasgo o envelope e leio as confusas letras da carta: mas... mas... não faz sentido! O meu navio não quer mais me ver! Diz que sente minha falta em suas viagens; diz que vira de costas ao ir embora, não por indiferença, mas para esconder suas lágrimas! Diz que atracar em muitos portos é que é sua vida; que eu sou apenas um capítulo - apenas circunstancial. Que não devo procurá-lo, que não devo tentar dissuadi-lo. "Boa sorte" ele diz ao final!
Desnecessário dizer o quanto amaldiçoei aquele navio! Seu casco envelhecido, sua buzina estupidamente alta, seu motor barulhento, sua tripulação grosseira... (...) sentia falta de cada um de seus defeitos, mas fingia ver, em cada um deles, motivo para não sentir saudade.

Do navio não ouvi por muito tempo. Um rumor ou outro, de que havia se acidentado (consegui fingir indiferença), de que havia encontrado riquezas e atracado definitivamente em algum porto longínquo... as histórias eram as mais fantasiosas, e eu já imaginava que nenhuma delas era realmente verdade.

...
Um dia, caminhava eu pelo cais. Fingia que era um atalho para minha casa, mas eu bem sabia por que estava ali. Aquele cheiro desagradável do rio, aquela gente esquisita, aqueles atracadouros com sua madeira podre... eu conseguia tirar algo bom de tudo aquilo, só de lembrar do meu navio. Nossas longas conversas, nossas risadas; músicas, carinhos, livros, olhares.
Vi, ao fundo, o casco do meu navio, virado de costas para mim. Seria ele? Ou será que a distância teria me confundido? Caminhei (primeiro lentamente; depois, a passos largos) até o píer onde ele estava. Ouvi sua buzina cantando alta e desajeitada; era ele!
Aproximei-me lentamente por trás, cutuquei-lhe as costas. Ele virou para mim. Primeiro, um olhar sério e repreensivo; não aguentando, abriu um sorriso amigável. Pegou em minha mão.
Meu navio começou "descul...", mas "não!" eu disse. "Um começo?" ele arriscou. "Um começo", consenti.

E é por isso que estou indo embora.

2 comentários: